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O doping de Sharapova: há mais atenuantes ou agravantes?

Alexandre Cossenza

09/03/2016 13h08

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Maria Sharapova testou positivo para meldonium, substância proibida pela Agência Mundial Antidoping (Wada) desde 1º de janeiro de 2016. Sim, isso todo mundo já sabe. O planeta inteiro também já sabe que a tenista russa deu uma coletiva, disse tomar a substância há dez anos e assumiu a responsabilidade por não ter conferido a lista atualizada pela Wada. Segundo Sharapova, o doping foi resultado de um descuido, uma negligência, sem a intenção de melhorar seu desempenho.

A questão toda é que menos de 48 horas depois, muitas informações vieram à tona, e quase nenhuma delas favorece a versão dada pela ex-número 1 do mundo. E como Sharapova preferiu dar a notícia antes que a ITF se manifestasse, os (poucos) jornalistas presentes na coletiva foram pegos de surpresa. Não se sabia (e mal havia) o que perguntar no dia. Agora, com informações apuradas e reações nada favoráveis dos patrocinadores, um punhado de perguntas fica sem resposta da tenista russa, o que não é nada bom para ela. Vejamos o que ficou no ar.

1. Por que meldonium?

O remédio tomado por Sharapova é proibido para consumo humano nos Estados Unidos. Ainda assim, a russa, que mora no país, fez uso dele por dez anos. Tudo bem, meldonium pode ser comprado sem prescrição no leste europeu. O que soa estranho é que Sharapova e seu advogado, que deu entrevistas após a coletiva, nunca especificaram o motivo da ingestão de meldonium.

A ex-número 1 disse apenas que "ficava doente com muita frequência, tinha deficiência de magnésio, resultados irregulares em eletrocardiogramas e um histórico familiar de diabetes. Foi um dos medicamentos, junto com vários outros, que recebi." A explicação nada específica levanta as seguintes perguntas:

– Durante esses dez anos, Sharapova nunca se interessou em saber quais medicamentos tratavam quais sintomas?

– Sharapova tomou todos esses "vários" (palavra dela) medicamentos durante esses dez anos? Se não tomou, seria fácil apontar o motivo do meldonium.

– Se Sharapova sabe, por que não especificou na coletiva a função do meldonium em seu tratamento? Se não sabe, não parece curioso esse desconhecimento depois de dez anos tomando o mesmo medicamento?

O que soou especialmente mal para Sharapova depois da coletiva é que o fabricante – uma empresa da Letônia chamada Grindeks – do meldonium disse que um tratamento normal com a substância dura de quatro a seis semanas e que o processo pode ser repetido duas ou três vezes por ano.

Meldonium costuma ser receitado para problemas cardíacos, e Sharapova citou, entre todos aqueles sintomas, resultados irregulares em eletrocardiogramas. Supondo que seja esse o motivo pelo qual ela ingeriu meldonium, ainda soa estranho que ela tenha feito uso da substância durante dez anos. Mas Sharapova nunca foi específica sobre o motivo do uso de meldonium. Por quê?

2. Os avisos ignorados

Sharapova disse que recebeu um email da Wada no dia 22 de dezembro. O texto informava sobre mudanças na lista de substâncias proibidas, mas a tenista afirmou que não clicou no link e não conferiu se alguma das alterações lhe afetaria.

Essa foi a versão da russa. Nesta quarta-feira, o jornal inglês "The Times" publica que autoridades do tênis avisaram em pelo menos cinco ocasiões que meldonium seria adicionado à lista. Mesmo que Sharapova tivesse ignorado esses cinco comunicados, ela ainda poderia ter visto o texto da Agência Russa Antidoping, que informou seus atletas no dia 30 de setembro – três meses antes (!!!) de a nova lista entrar em vigor – especificamente sobre o uso de meldonium.

Ainda sobre a questão, vale ler as declarações de Dick Pound, presidente da Wada de 1999 a 2007. Ele afirma que Sharapova foi indescritivelmente imprudente. "Sempre que há uma mudança na lista, um aviso é dado em 30 de setembro. Você tem outubro, novembro e dezembro para parar o que estiver fazendo."

Pound também fala em termos gerais sobre como substâncias se tornam preferidas entre atletas que se dopam. Vale ler este link do "Guardian".

3. Os patrocinadores

Essa foi a questão que mais me pegou de surpresa. No mesmo dia da coletiva, a Nike, parceira de Sharapova desde a adolescência (pré-Wimbledon/2004), anunciou que estava "suspendendo a relação" com a tenista. O que quer que isso queira dizer, não significa romper ou suspender contrato. Aparentemente, significa apenas uma interrupção das campanhas publicitárias até que a ex-número 1 seja julgada e que haja uma sentença.

A Porsche, com quem Sharapova tem um contrato de três anos assinado em 2013, foi mais específica e declarou estar suspendendo as atividades promocionais com a atleta. Por fim, a Tag Heuer, patrocinadora da russa desde 2004, anunciou unilateralmente o término das negociações para renovação do contrato terminado em 31 de dezembro do ano passado.

É especialmente intrigante a velocidade com que as marcas se manifestaram – e a Sheila Vieira fez um bom texto sobre isso no Storia, citando os casos de Oscar Pistorius, Ray Rice, Kobe Bryant, Tiger Woods, Manny Pacquiao, Lance Armstrong e Justin Gatlin, todos envolvendo a Nike.

Cada caso, claro, tem sua particularidade. O fato é que Sharapova disse que seu doping foi fruto de um erro, um vacilo. Nada intencional, segundo ela. Ainda assim, a Nike levou apenas oito horas (!!!) para se manifestar neste caso. Sim, a rapidez da marca pode ser resultado do trauma do gato escaldado, mas estranha que uma "parceira" (as marcas se rotulam assim nas vitórias, não?) não tenha comprado a versão de sua atleta.

E se uma marca gigante se posiciona tão rapidamente de modo a gerar desconfiança sobre sua atleta, é justo que muitos fiquem imaginando se a Nike (como a Porsche e a Tag Heuer) sabe de alguma coisa que ainda não chegou ao público. E quem sai chamuscado disso tudo é a imagem de Sharapova.

4. A punição

É o que todo mundo quer saber, não? A letra da lei diz que doping intencional pode dar até quatro anos de suspensão. A modalidade não-intencional prevê até dois anos fora das quadras. Em todo caso, há que se considerar também fatores atenuantes. Difícil "chutar" uma punição para Sharapova sem acompanhar os argumentos da defesa. Por enquanto, consideremos o seguinte:

É importante notar que o teste positivo de Sharapova passa o recado de que o tênis não protege seus grandes nomes. Se o nome que mais gera dinheiro em publicidade no tênis feminino pode ser flagrado, qualquer um pode. A questão agora é que, para reforçar esse recado e fortalecer a imagem do tênis, a punição precisa ratificar esse raciocínio. Flagrar Sharapova e aplicar uma sentença de três meses de suspensão seria enfraquecer a imagem do esporte. A punição precisa ser exemplar (o que não significa necessariamente ser excessivamente severa).

Tudo é questão de como o julgamento será conduzido e de como a defesa de Sharapova atuará. Pelo que se viu até agora, espera-se que o time da russa tente fazer prevalecer a versão de que foi um descuido, afastando qualquer possibilidade de má-fé na ingestão do meldonium. Isso garantiria uma pena menor.

O que pode jogar contra Sharapova é a questão dos dez anos fazendo uso da substância. A meu ver, a russa precisa ser específica quanto aos motivos de um tratamento tão longo. Caso não seja, deixará margem para que o tribunal (e, posteriormente, o público) acredite que Sharapova sabia dos benefícios do meldonium na prática esportiva. E aí, ainda que o medicamento não fosse proibido durante todo esse tempo, a defesa terá uma dificuldade enorme para emplacar a tese de descuido e boa fé.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.