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O preço do descuido de Sharapova

Alexandre Cossenza

07/03/2016 18h34

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Em uma coletiva cheia de expectativa e mistério, Maria Sharapova anunciou, nesta segunda-feira, ter testado positivo para uma substância proibida durante um exame antidoping realizado no Australian Open. A substância em questão chama-se meldonium e faz parte da lista da Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês) desde o dia 1º de janeiro de 2016.

"Assumo inteira responsabilidade por isso", disse a ex-número 1 do mundo, que explicou tomar a mesma medicação há dez anos (desde 2006) para tratar várias questões de saúde. "Em 1º de janeiro, as regras mudaram, e meldonium se tornou uma substância proibida, o que eu não sabia." … "Cometi um grande erro." Sharapova, 28 anos, ainda disse não esperar encerrar a carreira deste modo e torcer para receber uma segunda chance.

Importante ressaltar que a tenista, como sempre fez, não empurrou a culpa para ninguém. Deu a cara a bater e declarou que "é meu corpo, é o que coloco no meu corpo. Não posso culpar ninguém além de mim mesma. Não importa com quem eu trabalhe, é muito importante ter um grande time ao redor, com técnicos e médicos, mas no fim das contas, é tudo sobre você."

Não importa quem seja o principal responsável na equipe de Sharapova por ler a lista da Wada, trata-se de uma falha imperdoável que vai custar caro à tenista. As substâncias proibidas estão em um livreto de oito páginas. Não é uma consulta tão demorada assim. Meldonium está citado na seção de moduladores metabólicos e hormonais. É o item 5.3, especificado como modulador metabólico.

Por enquanto, Sharapova cumpre uma suspensão provisória que começa a contar no dia 12 de março e corre até que o caso seja avaliado, julgado e que a punição definitiva seja determinada. É bastante provável que a ex-número 1 do mundo perca os 430 pontos conquistados em Melbourne e tenha de devolver os US$ 281.663 recebidos pela campanha em que alcançou as quartas de final. Atual número 7 do mundo, a russa cairia para o 11º posto no ranking de hoje.

Fora isso, é de se imaginar que a punição não seja das mais severas. Além do histórico favorável, sem antecedentes, Sharapova pode provar que tomava o medicamento anteriormente e que o teste positivo foi resultado de um descuido – e não de uma intenção de melhorar seu desempenho. Isso costuma pesar bastante a favor de atletas em casos assim.

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Coisas que eu acho que acho:

– Sobre os motivos para começar a tomar a substância, ainda em 2006, Sharapova foi pouco específica e disse que lidava com várias questões de saúde: "Eu ficava doente com muita frequência, tinha deficiência de magnésio, resultados irregulares em eletrocardiogramas e um histórico familiar de diabetes. Foi um dos medicamentos, junto com vários outros, que recebi." Não ficou claro o porquê de tomar o mesmo medicamento durante dez anos, mas talvez pouco importe no julgamento, já que a substância sempre foi permitida pela Wada.

– É admirável da parte de Sharapova não empurrar a culpa para ninguém de seu time. A postura é a mesma que adota quando sai de quadra derrotada: sem desculpas. Ao mesmo tempo, do ponto de vista mercadológico, pegaria muito mal responsabilizar quem quer que fosse. Passaria a imagem de uma menina mimada que precisa de um grupo de pessoas para assumir uma tarefa que a grande maioria dos tenistas assume por conta própria. Do jeito que se portou, Sharapova mostrou uma mulher madura e consciente de seu erro.

– Ainda antes de abrir a coletiva para perguntas, Sharapova fez piada da expectativa existente sobre um eventual anúncio de aposentadoria. Disse que se fosse anunciar a aposentadoria, "não estaria em um hotel no centro de Los Angeles com um carpete um tanto feio." Bom humor, essencial em momentos difíceis.

– A ITF confirmou que o exame que deu positivo foi realizado no dia da derrota para Serena Williams, em Melbourne. Considerando o histórico de confrontos entre russa e americana, conseguem, caros leitores, imaginar o tamanho da repercussão se Sharapova tivesse vencido aquela partida?

– Sobre o uso de meldonium, vale registrar que um ciclista (Eduard Vorganov, da Rússia) e dois atletas de biatlo (Olga Abramova e Artem Tyshchenko, ambos da Ucrânia) testaram positivo para a mesma substância este ano. O mesmo aconteceu com a corredora sueca Abebe Aregawi (nascida na Etiópia), o maratonista etíope Endeshaw Negesse, atual campeão da Maratona de Tóquio, e a patinadora russa Ekaterina Bobrova, medalhista de bronze no Campeonato Europeu deste ano.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.