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Entrevista: diretor explica os porquês do ‘novo’ Brasil Open

Alexandre Cossenza

23/02/2016 20h57

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Um torneio de cara nova, em data diferente, com capacidade para menos público e com uma chave modesta. É assim que o Brasil Open faz sua estreia no Esporte Clube Pinheiros, uma sede que deu ao evento mais "cara" de torneio. A missão no (meu) primeiro dia aqui em São Paulo era conversar com o diretor, Roberto Marcher, e entender alguns dos porquês das mudanças. Por que o novo local? Por que não participar das negociações conjuntas para trazer nomes de mais peso? O quanto a alta do dólar pesou? Qual o tamanho do prejuízo da mudança de data imposta pela ATP?

Marcher conversou comigo e com o jornalista Matheus Martins Fontes (por opção editorial, incluí neste post apenas as minhas perguntas) e explicou tudo. Falou muito mais do que o necessário, é bom que se diga – o que é ótimo. Com 70 anos e algumas décadas de experiência na organização de torneios, o diretor do Brasil Open lembrou o quanto o Rio sofreu um baque de público este ano e afirmou que Tsonga "parecia um elefante caminhando" no torneio carioca. A sinceridade foi tanta que Marcher disse até que o wild card para Benoit Paire em São Paulo é um risco porque "ele não bate bem da cabeça". Confira as partes mais importantes:

O que pesou mais na decisão de deixar o Ibirapuera e vir para o Pinheiros?

São vários fatores, mas o principal é que a gente não acredita ainda – não temos tradição no tênis, né? Imagina se isso tivesse acontecido com Buenos Aires, que é o segundo torneio de terra com mais charme e appeal? Com a tradição argentina, se os caras tiram do Buenos Aires Lawn Tennis Club e levam para outro, sei lá, o Estudiantes? Ali havia uma tradição. Nós, no Brasil, ainda não temos um estádio, um local que tenha tradição. (…) O Ibirapuera foi um sucesso. Começamos em 2011, tivemos casa cheia duas vezes, com problemas ou não, mas isso não vem ao caso aqui, estamos falando de outra coisa. Lotamos o Ibirapuera e depois vimos as coisas baixando. Aí começaram a aparecer problemas… Com agente, o dinheiro começou a… o dólar já… Não dá! Esse torneio aqui foi feito sem nenhuma garantia. Hoje, eu estava com nosso cabeça de chave número 1, Benoit Paire, muito simpático… Não recebeu um centavo. Nada. Cuevas? Não tem, não tem, não tem. Chegou uma hora que a gente disse: "Vamos, em primeiro lugar, tratar dos jogadores." Eles não gostam de jogar em um lugar que não tenha tradição de tênis. Que seja um clube…. Eles detestam quando a quadra é feita em cima da hora. No Ibirapuera ou no próprio Rio de Janeiro, que as quadras do Jockey eram horríveis e eles deram uma acertada… "Vamos usar o Pinheiros, tem 70 anos, quadra sólida, os jogadores vibram com a atmosfera do clube, que é lindo, etc." Muito por causa dos jogadores, que se sentiam muito melhor aqui. O Ibirapuera era legal para deixar a casa cheia e etc., mas não tinha charme, não tinha nada. O sujeito ia fora, ia aonde? Num food truck? Não, ele ficava lá por dentro. (…) Então foi principalmente (por causa) dos jogadores, como eles se sentem, aqui foi bem mais em con… (interrompendo) Bem mais, não, mas melhorou tudo. Mudou do conceito de um torneio indoor. Nosso grande inimigo é a chuva, mas que é muito melhor, todo mundo elogiando. Perdemos um pouco a arquibancada – ano que vem vamos aumentar – porque o plano era abrir aquelas duas quadras, quebrar no meio, fazer uma só, aí daria para fazer uma arquibancada enorme, mas a ATP falou que ficaria muito em cima da hora. (…) Claro que os custos caíram, enxugamos muito devido a… acho que qualquer um que lê jornal sabe da crise que atravessa o Brasil. Você me pede hoje, eu te paguei 200 para jogar, como garantia. Aí você me pede a mesma coisa em dólar, torna-se quatro vezes mais caro. Não tem condições. Vamos reduzir um pouco, fazer essa experiência aqui, ver como funciona. Estamos aprendendo com o Pinheiros. Acho que neste momento a gente está surfando a onda da crise.

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Sobre a questão da data, houve a inversão com Buenos Aires, que acabou ficando com uma chave fortíssima…

(interrompendo) Ali tem a data e… não sei de onde eles conseguem dinheiro. O Tsonga, por exemplo, queria fazer uma "tripartida" com Rio, Buenos Aires e nós. Caímos fora. Aí eles pegam grana não sei daonde. Eles têm Claro, governo… Ele fala: "Olha, querido, preciso de tanto para o Tsonga. Ok." O Nadal tinha um acerto com eles para terminar, aí acabou o Nadal, né? O Ferrer foi lá, gastaram uma grana também. E pagaram pouco para o Isner, não tanto. Ele quase veio aqui, mas "quero tanto", "te dou tanto", mexe pra lá, mexe pra cá, graças a Deus. Eles pegaram o Tsonga, que literalmente não quer nada com a bola. Já em Buenos Aires foi ridículo. E tomou uma primeira rodada no Rio de Janeiro. De um jogador que acho que vai ser o próximo grande jogador do Brasil, o Thiago (Monteiro). Mas o Tsonga estava um desastre, parecia um elefante caminhando na quadra. Queria nada com a bola. Isolando direita, chegou uma hora que se ele encheu o saco… Enfim, os caras pagaram um puta granapara esses dois aí e jogaram dinheiro fora. O Isner tomou duas primeiras rodadas. Se esforçou. Tudo 7/6 no terceiro, mas já de cara tomaram uma bela duma porrada. Eu falei para o meu CEO: "Vamos jogar com o que a gente tem aqui."

Esse custo-benefício não compensaria nem com o que vocês teriam vendido a mais de ingresso?

Não. Nós estamos com uma quadra menor, mas nem no Ibirapuera. A gente não vende antecipado, entende? Não faz essa sacanagem de chegar para o trouxa que comprou e se o Nadal perdeu, problema é teu, né? Mas mesmo assim sofreram bem um baque no público e tudo. Nadal, acho que está quase no fim e, enfim, o Rio tomou um baque. Para nós, não. Estamos sold-out. Nossa quadra aqui está perfeita. É pouquinho? É pouquinho. E também com o dólar a R$ 4, para nós, não compensa.

O que atrapalhou mais? A data ou o dólar? Se é que dá para fazer essa distinção…

Dá: o dólar. E os dois atrapalharam.

Com o dólar, suponhamos, a R$ 2, daria para trazer mais gente de peso mesmo com essa data?

Sim. A data é ruim porque somos o único torneio da ATP que compete com dois ATPs 500. Não existe no calendário da ATP. Nenhum torneio – isso é uma sacanagem – compete contra dois… E tem outro detalhe. Se o cara for top, eles terminam aqui, e o técnico já convoca para treinar (para a Copa Davis). O Benoit, apesar de ser um craque, não vai. Fora da quadra, ele é uma moça. Muito legal! E é namorado de uma popstar, que enche estádio na França (Shy'm), e nem se importa. Ele disse "Eu tô a fim de jogar aí. Você me dá wild card?" Eu digo "Você não quer nada? Vinte e um do mundo? Tá dado o wild card." Os caras todos cobrando uma fortuna, gente que… Sabe? Não dá para acreditar que o Verdasco me peça dinheiro. Você tá me gozando? Não tem dinheiro. Wild card, não te dou. Se você não se inscreveu, não quero ver você aqui. Esse aí (Paire) eu quero. Tomando um risco… Ele não bate bem da cabeça. Dentro da quadra, pode acontecer qualquer coisa. É um Fognini piorado. Você não sabe o que pode acontecer. Mas de qualquer forma, a gente pegou e não pagou nada. Mas a data foi péssima, mas quem escolhe… Tudo é política e dinheiro. Eu sei que os caras (ATP) olharam o Brasil em crise, os caras (argentinos) forçaram, e a data foi para eles. Posso fazer o quê?

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E o que o torneio pode fazer? Existe possibilidade de brigar para mudar outra vez de data?

No outro ano, não dá mais. Só para o outro.

Para 2018?

Sim.

Mas a ideia…

(interrompendo) A ideia… Essa data é péssima, cara! Os caras já querem ir embora, compete contra Acapulco… Está tudo sendo estudado. Nunca se sabe o que vai acontecer. De repente, a Argentina dá um treco. É uma luta… Não vou dizer que não seja de igual para igual. É. Argentina e Brasil é uma guerra em tudo…

Chance zero de pleitear, de repente, a data de Quito?

Não, não é chance zero, mas também é outra data de merda…

Porque é colada na Austrália…

Quito foi um horror o torneio. Esses torneios que dependem do governo ficam muito problemáticos. Para você ter o patrocinador, o patrocinador no ano que vem não quer mais o Tsonga. Agora ele vai querer o Djokovic.

Última coisa… O contrato com o Pinheiros é só para este ano?

Não, não é não. É para o ano que vem e depois tem opção de renovação. É um contrato bem feito.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.