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Rio Open, dia 3: a gigante zebra brasileira e, sim, mais chuva

Alexandre Cossenza

17/02/2016 22h46

A quarta-feira murcha no Rio Open, com duas interrupções por causa de chuva, teve um ponto alto – altíssimo. O cearense Thiago Monteiro derrubou o top 10 Jo-Wilfried Tsonga. O período de bom tempo ainda foi suficiente para um bate-bola com 21 títulos de Grand Slam em quadra e uma cena curiosa (e divertida) na sala de coletivas. O resumo do dia ainda fala sobre os desafios de se jogar no circuito sul-americano de saibro e sobre o "mistério da lona". Leia e saiba de tudo!

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A zebra

De um lado, o número 9 do mundo e duas vezes semifinalista de Roland Garros (2013 e 2015), Jo-Wilfried Tsonga. Do outro, Thiago Monteiro, 21 anos, #338 no ranking, em seu primeiro jogo de chave principal de torneio ATP na carreira. Barbada, certo? Errado. Em uma atuação memorável, o cearense derrubou o favoritíssimo por 6/3, 3/6 e 6/4 e avançou às oitavas de final do torneio. Pela primeira vez desde Marselha/2012, um tenista fora do top 300 bateu um top 10.

Foi a primeira vitória da vida de Monteiro em um evento deste porte. Por outro lado, Tsonga não perdia para um tenista de ranking tão baixo desde 2004, quando foi superado pelo australiano Paul Baccanello (#416) em setembro de 2004, em um Challenger em Pequim. Na ocasião, Tsonga ainda era o #194 do mundo e estava em seu terceiro ano no circuito profissional.

Outra curiosidade: foi também a primeira entrevista coletiva da vida de Monteiro, que sentou-se ao microfone dizendo "Nunca entrei numa sala assim, mas estou bem, vou poder responder" e ganhando risos dos jornalistas. Na conversa, o cearense falou de seu plano tático, de como tentou mexer Tsonga, que parecia não estar se movimentando bem no terceiro set, e da influência de Guga em sua vida (o Instituto Guga Kuerten agencia sua carreira).

Indagado se Tsonga teria desmerecido o adversário, Monteiro respondeu "não percebi. Estava focado no meu jogo, buscando fazer o meu melhor e me dedicando. Não prestei atenção nas atitudes ou outras coisas dele." Vale destaque especial a declaração do brasileiro sobre a principal consequência da vitória desta quarta: "Foi uma surpresa saber que você tem condições de seguir trabalhando e chegar nesse nível. Me fez acreditar muito mais em mim."

Como aconteceu

Tsonga demorou a acordar para o jogo, e Monteiro não bobeou. Apostando em uma estratégia de bolas altas e fazendo o francês se movimentar sob o calor carioca, o cearense conseguiu a primeira quebra no sétimo game, depois de perder break points no terceiro e no quinto. O 6/3 da parcial talvez nem tenha sido um reflexo do quão melhor o brasileiro vinha sendo em seu plano de jogo.

O único vacilo do dia veio no primeiro game do segundo set. Com um par de erros bobos, Monteiro perdeu o serviço e colocou Tsonga na partida. O francês aproveitou e, errando bem menos, manteve a vantagem até quebrar outra vez, fazer 6/3 e forçar o terceiro set. E foi aí que o cenário mais provável insistiu e não acontecer. O brasileiro resistiu, seguiu com seu plano de jogo e seguiu à espera de uma chance no saque de Tsonga. Monteiro inclusive saiu de um desconfortável 0/30 no segundo game e de um perigoso 30/30 no sexto.

O favorito, enfim, escorregou. No nono game, em sequência, fez duas duplas faltas e espirrou uma bola, dando a quebra a Monteiro. O brasileiro ainda salvou dois break points no game seguinte (Tsonga cometeu erros não forçados) antes de subir à rede e ver a bola do oponente morrer na rede.

Monteiro agora enfrentará Pablo Cuevas, #45 do mundo, que, apesar do ranking, promete ser um desafio diferente e, talvez, ainda maior no saibro.

Sobre o saibro sul-americano

Tsonga encerra a participação em seu tour sul-americano de forma não muito diferente de Jack Sock e John Isner, outros dois tenistas que costumam jogar em quadras duras nesta época do ano. O francês jogou dois torneios e somou apenas uma vitória – em Buenos Aires, sobre Leo Mayer. No Rio, os três foram eliminados por tenistas que têm o saibro como habitat natural.

A questão do circuito saibro sul-americano é um desafio muito maior para os tenistas "de quadra dura" do que o piso em si. Até porque os três eliminados (Sock, Isner e Tsonga) têm no currículo bons resultados na terra batida. Parte da questão é que Rio e Buenos Aires são torneio disputados com sob muito calor e umidade, o que deixa os eventos mais desgastantes do que a média do circuito.

Mas não é só isso. Talvez a maior parte do problema seja encontrar adversários que: 1) dependem do saibro para viver; e 2) estão acostumados a jogar em condições assim. Para gente como Delbonis e Pella, a circuito sul-americano é a melhor chance do ano para pontuar. Quase todos jogos são vida-ou-morte para eles e muitos outros nascidos no continente. Gente como Tsonga, Isner e Sock não encara assim essa sequência (ou dupla) de torneios. É mais um jogo.

Carta vez, Marat Safin, já aposentado, deu a melhor definição para esse cenário. Em entrevista antes de uma exibição no Rio de Janeiro, alguns anos atrás, um jornalista perguntou ao russo por que ele havia jogado tão pouco na América do Sul durante sua carreira. Safin explicou que Costa do Sauípe (na época) e Buenos Aires davam poucos pontos (250) e exigiam muito. Em vez de atuar no calor por três horas contra Coria, Gaudio ou Meligeni (que estava sentado à mesa), preferia jogar na quadra dura indoor, onde as partidas duram menos e as arenas têm ar-condicionado. Difícil discordar do russo, não?

Os (outros) brasileiros

A dupla olímpica formada por Marcelo Melo e Bruno Soares (que jogarão juntos no Rio e em São Paulo) entrou cheia de expectativa e favoritismo na Quadra 1 contra os também brasileiros Fabiano de Paula e Orlando Luz. Com Dominic Thiem e Diego Schwartzman na Quadra Guga Kuerten (central), muita gente ficou sem conseguir ver os brasileiros na Quadra 1, que tem capacidade para 1.200 pessoas – a quem interessar, Bruno e Marcelo pediram para jogar lá.

A partida, no entanto, não terminou. Quando o placar ainda mostrava 2/0 para Soares e Melo, a chuva apareceu pela segunda vez no dia e demorou tanto que o Twitter do torneio anunciou o cancelamento de todos os jogos restantes às 21h36min. Havia duas partidas inteiras por realizar na Quadra Guga Kuerten: Ferrer x Ramos Viñolas e Giraldo x Pella.

Vale registrar que André Sá entrou em quadra mais cedo e acabou eliminado. Ele e o argentino Máximo González foram derrotados na estreia por Federico Delbonis e Paolo Lorenzi por duplo 6/4.

A homenagem adiada

A programação da noite desta quarta-feira previa uma homenagem para Fernando Meligeni e Alcides Procópio, nomes importantes da história do tênis brasileiro. A cerimônia foi adiada para a noite de quinta.

Os abandonos

Fabio Fognini foi o desfalque mais sentido do dia. O italiano havia vencido o primeiro set sobre Daniel Gimeno Traver, mas começou a sentir dores nas costas logo no início da segunda parcial. Pediu atendimento e teve o local enfaixado, mas desistiu quando perdia a parcial por 3/1.

Quem também teve problemas nas costas foi Jack Sock, que abandonou a partida de duplas. A curiosidade é que ele e Nicholas Monroe venciam Jo-Wilfried Tsonga e Paul-Henri Mathieu por 6/4 e 3/0. Sock, já eliminado da chave de simples, abandonou o torneio durante uma das paralisações por causa da chuva.

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A desinformação

A eliminação de Jack Sock provocou uma cena curiosa – e engraçada – quando Jo-Wilfried Tsonga apareceu para dar sua entrevista coletiva. Com o monitor da sala de imprensa mostrando "partida suspensa" (mensagem padrão para interrupções por causa de chuva), um jornalista perguntou se era a primeira vez que o francês concedia uma coletiva no meio de um jogo. Tsonga reagiu com expressão confusa e disse que havia vencido o jogo. Foi aí que os jornalistas descobriram sobre a desistência de Jack Sock.

O melhor bate-bola

Aconteceu numa das quadras externas do Jockey Club Brasileiro e envolveu 21 títulos de Grand Slam. A brasileira Maria Esther Bueno, dona de 19 troféus, bateu bola com a italiana Flavia Pennetta, atual campeã do US Open, aposentada e ainda número 7 do ranking mundial.

O mistério da lona

Uma das perguntas mais frequentes no Jockey Club Brasileiro é "onde está a lona?", já que a organização do torneio optou por não cobrir as quadras durante as várias vezes em que a chuva deu as caras – ou os pingos.

O diretor do torneio, Lui Carvalho, justifica explicando que a drenagem da Quadra Guga Kuerten é excelente e levaria mais tempo para tirar a água de cima da lona do que para deixar a quadra absorver o líquido naturalmente.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.