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Saque e Voleio

AO, dia 13: Kerber, uma inesperada e comovente campeã

Alexandre Cossenza

31/01/2016 03h13

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Angelique Kerber estava entre as candidatas para vencer o Australian Open (se você acha que ninguém dizia isso antes do torneio, ouça o último episódio do podcast Quadra 18), mas não era a mais cotada. As casas de apostas a colocavam atrás inclusive de gente menos experiente como Garbiñe Muguruza e Belinda Bencic. Eis que duas semanas depois, a alemã levanta o troféu ao derrotar a grande Serena Williams por 6/4, 3/6 e 6/4.

Foi uma caminhada fascinante, que incluiu a comemoração de seu aniversário no primeiro dia do torneio, um match point salvo no dia seguinte, uma virada espetacular contra Victoria Azarenka e uma atuação impecável contra a número 1 do mundo. Uma conquista que mereceu uma demonstração gigante de respeito de Serena Williams e que obviamente deve ser repassada aqui. Vejamos, então, a caminhada de Kerber até seu primeiro título em um Slam.

O match point salvo

O maior susto de toda campanha veio, quem diria, na primeira rodada em Melbourne. A japonesa Misaki Doi, que venceu o primeiro set depois de estar perdendo por 3/0 (duas quebras), teve match point no tie-break da segunda parcial, depois de vencer um belo rali. Kerber, então, encaixou um primeiro serviço conservador, mas que resolveu o problema. Doi devolveu para fora e perdeu a chance (assista ao lance por volta dos 35 minutos do vídeo abaixo). Kerber também venceu os dois pontos seguintes, forçou o terceiro set e saiu com a vitória por 6/7(4), 7/6(6) e 6/3, em 2h45min.

É curioso, mas uma campeã de Slam salvar match point nem é tão raro assim. Só na Austrália e na Era Aberta (a partir de 1968), já aconteceu em outras cinco ocasiões, com Serena Williams (2003 e 2005), Na Li (2014), Monica Seles (1991) e Jennifer Capriati (2002).

A vitória sobre Vika

O duelo com Victoria Azarenka foi nervoso. Pesava contra Kerber o histórico de seis derrotas e nenhum triunfo contra a bielorrussa. Mas Vika entrou em quadra errando muito, e a alemã aproveitou. Abriu 4/0, quase permitiu uma reação da ex-número 1, mas fechou a parcial. O segundo set foi outra história. Vika teve 5/2 e saque com 40/0. Depois, 5/4 e 40/15. Ponto a ponto, Kerber foi salvando set points. No fim, venceu cinco games seguidos e fechou a partida em 6/3 e 7/5. Sua entrevista ainda dentro de quadra era só alegria.

A final

O primeiro set entra na conta de Serena. Sim, é verdade que Kerber cometeu apenas três erros não forçados, mas também é inegável que a alemã nem precisou de todo seu poderio defensivo e de contra-ataque. Serena falhou muito e em bolas muito fáceis (para ela). Foram 23 erros não forçados na parcial – quase um set inteiro em pontos – e só 12 winners. E o placar foi até equilibrado considerando a atuação da número 1: 6/4.

Até então, o maior mérito de Kerber era não se desesperar. Nem quando sacou em 15/30 no primeiro game, depois de fazer uma dupla falta, nem quando cedeu a primeira quebra a Serena, que empatava a parcial em 3/3 naquele momento. A alemã não forçou além da conta e foi recompensada com os muitos pontos grátis.

O segundo set correu mais como um típico Serena x Kerber (até este sábado, as duas se enfrentaram seis vezes, com cinco triunfos da americana). A americana atacando, a alemã se defendendo. Os erros da número 1 diminuíram, e uma quebra no quarto game foi o que Serena precisou para disparar na frente, abrindo 4/1.

A número 1 forçou o terceiro set, mas não conseguiu elevar o nível o bastante. Pelo contrário. Na parcial decisiva, seu aproveitamento de primeiro saque caiu (de 64% para 44%) e seus golpes junto à rede deixaram muito a desejar. E, diante dos contragolpes de Kerber, voleios e smashes mal executados custam caro. Custaram, inclusive, uma quebra logo no segundo game.

O maior mérito de Kerber foi tirar o máximo de seu tênis. Minimizou o prejuízo com seu segundo serviço vulnerável, conseguiu manter as bolas fundas em boa parte do jogo, mesmo quando não tinha o controle dos pontos, e, quando obteve vantagem nos ralis, usou ângulos com inteligência. E soltou até umas curtinhas que pegaram Serena de surpresa.

E eu mencionei os contra-ataques? Aqui vale ressaltar que Serena jogou taticamente mal, atacando quase sempre o forehand de Kerber, mas que culpa a alemã tem nisso? Ao contrário da favorita, a número 6 do mundo foi impecável com seu melhor golpe.

Na prática, a quebra do sexto game (com uma dupla falta e uma direita não forçada longa) decidiu o jogo a favor de Kerber, que abriu 5/2 na sequência. Sim, Serena ainda devolveu a quebra, mas três games dão a qualquer pessoa uma margem muito pequena contra alguém errando tão pouco. Sacando em 4/5 e com break point contra, um voleio (mais um) errado da #1 deu o título à alemã: 6/4, 3/6, 6/4.

O respeito

Serena Williams, número 1 do mundo, dona de 21 títulos de torneios do Grand Slam e a uma vitória de igualar-se a Steffi Graf (curiosamente, "salva" por outra alemã) como maior vencedora do tênis na Era Aberta, deu um longo abraço na nova campeã logo depois do match point. Assista!

A líder do ranking mundial ainda deu os parabéns toda sorridente em seu discurso de agradecimento. Serena se disse feliz pela alemã e desejou que Kerber apreciasse o momento.

A cerimônia

O discurso de Kerber não foi menos comovente do que o abraço da americana. A alemã brincou ao dizer que esteve com uma perna no avião de volta para casa na primeira rodada, mas sobreviveu para fazer esse pronunciamento lindo de ver.

O ranking

Com o título, Kerber salta para a vice-liderança do ranking mundial, melhor posição de sua carreira. Serena continua como número 1 com certa folga, mas sua vantagem diminuiu de 3.980 pontos para 3.545.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.