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Saque e Voleio

Sobre Roger Federer, consistência, preparo físico e o "Dilema Djokovic"

Alexandre Cossenza

29/01/2016 19h41

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É quase um roteiro de videogame dos meus tempos de infância. O herói completa uma missão atrás da outra, rolando desimpedido ou saltando cogumelos, até que chega o chefão e esmagava a raposa, o porco-espinho ou o simpático encanador italiano. Tudo é fácil demais por um tempo, e o mocinho se enche de confiança só para sofrer um tombo retumbante a poucos metros da princesa aprisionada.

Não foi muito diferente a vida de Roger Federer nos últimos três torneios do Grand Slam. Boas campanhas preparatórias, vitórias empolgantes nas rodadas iniciais e derrotas doídas diante de Novak Djokovic nas finais de Wimbledon e do US Open e, agora, nas semifinais em Melbourne. E a pergunta que surge é a de sempre: "o suíço vai voltar a vencer um Slam?"

Bom, a resposta é bem mais complexa do que "sim" ou "não", e parece – pelo menos por enquanto – passar necessariamente por uma vitória sobre Djokovic em melhor de cinco sets. Negrito e sublinhado em "melhor de cinco", por favor, já que o histórico recente mostra uma certa disparidade. As últimas três vitórias de Federer sobre o sérvio aconteceram em melhor de três (Dubai, Cincinnati e ATP Finals), enquanto Nole levou a melhor nos últimos quatro duelos em Slams.

Entre fãs, analistas e críticos, há basicamente duas teorias. Uma culpa a idade do suíço; a outra, o nível de tênis. A primeira parece ser a preferida entre a maioria dos admiradores do ex-número 1 do mundo. A segunda, obviamente, agrada mais aos fãs de Novak Djokovic. Mas o que Federer acha disso? Um ótimo primeiro passo para entender o "Dilema Djokovic" é contextualizar e entender as declarações do suíço após a derrota desta quinta-feira, no Australian Open.

A frase mais interessante da última coletiva veio em resposta a uma pergunta justamente sobre a possibilidade de voltar a derrotar Djokovic em um Slam. O jornalista queria saber o que dava a Federer a confiança de que ele, aos 34 anos de idade, ainda seria capaz disso.

"Bem, ainda tenho autoconfiança também. Isso não vai embora rápido. Sei que não é fácil. Nunca achei que seria fácil. Mas não sei. Melhor de três, melhor de cinco, consigo correr por quatro ou cinco horas, não é problema. Provo isso no treino, na pré-temporada, sem problema. Então, desse ponto de vista, não me preocupo de entrar em ralis longos. Sei que vocês acham outra coisa. Entendo porque vocês pensam que estou velho e tudo mais. Mas não é problema para mim. Isso não me assusta quando vou para uma partida importante contra qualquer jogador que esteja no seu auge hoje em dia."

A resposta é um pouco mais longa que isso (está na marca de 3'30" do vídeo acima), mas a essência é essa. Federer acredita que não faz diferença se o jogo é de três ou cinco sets. Aí é preciso levar em conta o fator de "sensação". Nem tudo que o suíço diz pode ser considerado verdade absoluta. Não que ele minta deliberadamente, mas cabe questionar se Federer tem mesmo razão sobre seu condicionamento físico ou se simplesmente ainda não percebeu que seu corpo não mantém o rendimento ao longo de uma partida mais demorada. Neste caso, seria apenas uma "sensação" de capacidade.

Tendo a concordar com o ex-número 1 e me baseio em alguns indícios para tomar o lado de Federer nesse debate. O primeiro indicativo que gosto de ver é seu estado físico ao fim das partidas, e o suíço não parecia cansado nem em Wimbledon nem no US Open – partidas que terminaram em quatro sets. Definitivamente, não foi o caso em Melbourne, onde Djokovic venceu duas parciais em menos de uma hora. Não foi o caso nem no quinto set de Wimbledon/2014.

Além disso, Federer, privilegiado que é, faz pouca força para jogar e, com seu estilo agressivo, raramente vai ficar cinco horas em quadra, mesmo que precise jogar cinco sets. Então a hipótese de derrotas em Slams por causa de condicionamento físico não me convence. Alguém pode até afirmar que o suíço perdeu velocidade e que é mais lento em quadra hoje em dia, mas é um argumento difícil de se fazer comparando imagens de hoje com as de 2006, dez anos atrás. É mais fácil alegar que o tênis ficou mais rápido do que provar que Federer perdeu arranque. Mas eu divago. Essa é outra discussão, que não envolve o "Dilema Djokovic" (até porque o sérvio está no circuito desde bem antes de 2006).

Ainda seguindo essa linha de raciocínio, parece conveniente lembrar – por mais de um motivo – de uma declaração de Federer logo após a final do US Open. Djokovic venceu aquele jogo por 6/4, 5/7, 6/4 e 6/4, em 3h20min.

"Especialmente em partidas melhor de cinco sets, as que passam de 2h30min, 3h30min, você passa por altos e baixos naturalmente. Não dá para jogar dois pontos perfeitos toda hora. Naturalmente, você precisa batalhar. É aí que você aprende muito sobre o seu jogo, sua atitude, seu físico. Esta foi, acredito, a partida mais longa que fiz o ano inteiro. Foi muito interessante ver como eu lidei com isso." … "Sim, estou feliz de ter conseguido ficar com um grande nível de jogo por um logo período de tempo porque estou com muito tempo de quadra e trabalhei muito duro na pré-temporada também."

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Há dois pontos interessantes a "ler" no que Federer disse. O primeiro, obviamente, é sua satisfação com o condicionamento físico, que já vinha desde o ano passado. Se depois de uma derrota em uma partida de mais três horas, o suíço disse ter saído "inteiro" de quadra, acho que não há motivo para duvidar.

O outro ponto é a questão dos altos e baixos naturais que Federer cita. A meu ver, essa é a grande diferença entre ele e Djokovic nos jogos em melhor de cinco (em comparação com melhor de três). Hoje, o sérvio é um tenista que oscila muito menos do que o suíço, assim como Nadal fazia em seus melhores dias. Federer, lembremos, tem algumas vitórias sobre o espanhol no saibro, mas nenhuma em melhor de cinco sets – nem aquela de Roma, com match points e tudo mais.

Do mesmo modo, o Djokovic de hoje é quase imbatível nos Slams por isso. Em um dia ruim, este número 1 do mundo pode perder dois sets de Gilles Simon e ainda escapar triunfante e sorridente, fazendo piada de si mesmo na entrevista pós-jogo. Também pode cair de intensidade – como caiu – e deixar Federer crescer do outro lado da quadra, mas sempre lhe resta margem para se recuperar e voltar a tomar o controle das ações. Essa dinâmica, aliás, aconteceu nos últimos quatro confrontos em Slams – todos vencidos pelo sérvio.

Assim, os números, o histórico e as próprias declarações de Roger Federer parecem apontar que seu "Dilema Djokovic" particular é muito mais uma questão de consistência para derrubar a fortaleza de obstáculos do rival do que de condicionamento físico. E "consistência", caro leitor, não se reduz a limitar o número de erros não forçados. É não fugir do plano tático. É manter o índice de primeiro serviço lá no alto. É aproveitar os segundos saques do adversário. É manter a concentração durante longos trechos. É saber escolher, do começo ao fim do jogo, o golpe ideal para cada ocasião.

Dito isto, quantas pessoas notaram que a quebra derradeira da semifinal aconteceu com Federer perdendo todos os quatro pontos do game junto à rede (vídeo abaixo)? Ainda que consiga fazer seu corpo trabalhar na mesma intensidade ao longo de quatro horas, manter o nível de excelência por tanto tempo contra o tenista mais completo da atualidade ainda parece um desafio grande demais – inclusive para o grande Roger Federer.

Coisas que eu acho que acho:

– Federer, obviamente, não é o único que sofre com Djokovic. O que motiva este post, no entanto, é o contraste entre a facilidade com que o suíço se mantém jogando em altíssimo nível e navegando tranquilo pelas chaves dos Slams e a enorme dificuldade que encontra com o atual número 1.

– Para o resto do circuito, Djokovic soa mais como enigma do que como dilema.

– O colega jornalista Bruno Bonsanti, em microconversa num microblog da vida, estabeleceu uma relação interessante entre Federer-Djokovic e o "enigma de Kasparov", relatado no primeiro capítulo do livro "Guardiola Confidencial". É uma teoria interessante. Leiam o texto neste link do Blog do Juca e entendam.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.