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Saque e Voleio

Conversas curiosas e inconclusivas, parte I

Alexandre Cossenza

07/12/2015 08h00

O diálogo a seguir aconteceu (ou não) num bar de um famoso clube de tênis. Dois amigos, identificados aqui como Catê Imoso e Jessé Tico, assistiam a uma das reprises do SporTV da final da Masters Cup de 2000, entre Gustavo Kuerten e Andre Agassi. Entre uma Paulaner e uma Hoegaarden, nossos personagens abrem o debate no segundo game da partida, quando Guga confirma o serviço com um ace.

Catê: Olha esse saque, o Guga era foda.
Jessé: Muito foda.

C: Não sei como ele não ganhou mais com esse saque.
J: É porque ele não sacava assim todo dia.

(cinco minutos depois)

C: Como ele não sacava assim sempre? Olha esse saque aberto na esquerda do Agassi! Ninguém devolve essa bola.
J: Você vai julgar o saque do Guga baseado em um jogo só?

C: Mas ele tá fazendo isso contra o Agassi, a melhor devolução da história.
J: Da história? Já viu o Djokovic devolvendo?

C: Mas o Djokovic não precisa devolver o saque do Sampras, que era monstro.
J: (irônico) É, não tem mais Sampras. Só tem Federer, Isner e Karlovic hoje em dia. Tá fácil, né?

C: Ah, para com isso. Vai criticar o Agassi só pra menosprezar o Guga?
J: Não. Agassi era um monstro na devolução, mas levava mais ace do que todos outros tops da época. E o segundo saque do Guga era vulnerável. Ele sacava todas com spin no backhand do adversário. O circuito inteiro sabia disso.

C: Você bebeu?! E olha esse backhand agora! (vendo Guga mudar a direção e bater o backhand de dentro pra fora)
J: Esse backhand era espetacular!

C: Nunca mais apareceu um backhand assim.
J: O do Wawrinka é melhor.

C: Mas você não pode comparar gerações diferentes.
J: Quem comparou foi você.

C: Mas o Guga é mais tenista que o Wawrinka.
J: Não tô comparando.

C: Vai dizer que o Wawrinka tem algum outro golpe melhor que o Guga?
J: Todos. Saque, direita, esquerda e voleio.

C: Você não pode estar falando sério.
J: Golpe a golpe, Wawrinka faz tudo melhor.

C: Isso não faz dele mais tenista que o Guga.
J: Eu não disse isso.

C: Guga foi número 1, ganhou três Slams! Wawrinka nunca chegou perto de ser número 1!
J: Concordo com tudo isso. Mas o que o ranking tem a ver com isso?

C: Prova que Guga foi o melhor da geração dele.
J: Mas quem era a geração dele?

C: Você está sugerindo que a geração dele era fraca?
J: Não. Só perguntei.

C: A geração dele era tão forte quanto qualquer outra.
J: Mas quem era?

C: Hewitt, Safin, Norman…
J: (interrompendo) Peraí, Hewitt é cinco anos mais novo que ele.

C: E daí?
J: E daí que Sampras é cinco anos mais velho que o Guga.

C: E daí?
J: E daí que se o Hewitt, cinco anos mais novo, pertence à mesma geração do Guga, por que você não incluiu Sampras e Agassi?

C: Porque Sampras e Agassi já estavam em fim de carreira e Hewitt apareceu muito jovem, enquanto o Guga ainda estava no auge.
J: Mas peraí, Guga não venceu Roland Garros em 1997?

C: Ganhou, e daí?
J: E daí que o melhor ano da carreira do Agassi foi 1999.

C: Tudo bem, então o Agassi era da mesma geração que o Guga.
J: Se o Agassi era da mesma geração do Guga, o Sampras, que era um ano mais novo, também era. Logo, o Guga não foi nem o segundo o melhor tenista da geração dele.

C: Mas em 2000 ele foi o melhor.
J: Ah, então ele foi o melhor do mundo, mas só durante aquele período?

C: É.
J: Mas um ano não é pouco para determinar que alguém foi o melhor de uma geração?

C: Tudo bem, admito que o Guga não foi o melhor.
J: Então, enfim, concordamos?

C: Concordamos. A única unanimidade é Federer, o melhor de todos os tempos. Aí não tem discussão, né?
J: Ai, meu deus….

(continua em um post futuro)

Coisas que eu acho que acho:

– Excelente a iniciativa do SporTV de exibir reprise do jogo que colocou Gustavo Kuerten como número 1 do mundo. É ótimo para mostrar à geração que começou a ver tênis com Federer e Nadal como um brasileiro terminou uma temporada no topo do ranking. Para os fãs mais velhos, é uma chance de matar a saudade.

– O canal tem essa partida arquivada há 15 anos e precisou esperar Guga se tornar funcionário das Organizações Globo para exibi-las. Uma ótima ideia seria mostrar outras vitórias clássicas do tricampeão de Roland Garros. Que tal uma por mês? Grade é o que não falta. Seria bom aproveitar enquanto Guga está sob contrato…

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.