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Saque e Voleio

Manifestações do "efeito Djokovic"

Alexandre Cossenza

23/11/2015 08h00

Três títulos e um vice nos quatro Slams, seis troféus e dois vices em oito Masters 1.000 disputados, 82 vitórias e apenas seis derrotas, mais de US$ 21 milhões em prêmios. Neste domingo, Novak Djokovic completou uma das temporadas mais espetaculares da história do tênis. E fechou o ano com uma vitória por 6/3 e 6/4 sobre Roger Federer, deixando evidentes todos os muitos detalhes que fizeram dele não só o atual líder disparado do ranking, mas um tenista muito superior ao resto do circuito mundial em 2015.

De tudo que já escrevi e analisei em posts anteriores sobre os méritos de Djokovic, resta pouco a acrescentar. O circuito inteiro sabe das qualidades e dos pontos fortes do atual número 1. A questão é que ninguém consegue encontrar respostas para derrotá-lo consistentemente. Federer, que entre todos é o tenista com mais recursos, foi brilhante nas três vitórias que obteve (Dubai, Cincinnati e primeira fase do Finals), mas sucumbiu nos duelos mais importantes (Wimbledon, US Open e a decisão do Finals). Com todas as cartas na mesa, Djokovic ainda sobra.

A superioridade do sérvio se reflete no ranking. Ele lidera com 16.585 pontos, deixando muito atrás Andy Murray (8.670) e o próprio Federer (8.340). É interessante também notar o quanto Djokovic afetou seus rivais mais frequentes em 2015. A final deste domingo foi um ótimo exemplo. Muito se comentou, por exemplo, na transmissão do SporTV sobre os erros não forçados do suíço. Foram 31 ao todo. Ora, será que não seria o caso de avaliar o mérito de Djokovic nisso?

Como o #1 conseguiu executar bolas tão profundas com tanta consistência, Federer mal podia avançar e agredir. Subir à rede era arriscado demais (as duas passadas seguidas na primeira quebra de saque são testemunha disso), e tentar ralis do fundo de quadra tampouco soava como boa opção para o suíço. Logo, Federer tentava sempre bolas mais fundas, slices mais rasantes, golpes mais agressivos. Muitas dessas tentativas resultaram em erros não forçados. Outras falhas, que aconteceram em golpes não tão agressivos, eram decorrentes da insistência de Federer em não recuar. Nole também tem culpa nesse cartório. Trocando em miúdos, são manifestações do que chamo de "efeito Djokovic".

Roger Federer termina o ano como #3 do mundo, atrás de Murray, mas dono de belíssimas campanhas. Fez um Wimbledon irretocável até a final e também alcançou a final em Nova York. Além disso, experimentou um novo tipo de devolução, quase de bate-pronto, que surpreendeu adversários e deixou especialistas boquiabertos. Se o 18º Slam não veio, repito, culpem o sérvio.

O "efeito Djokovic" também se manifestou repetidamente em Andy Murray. O britânico fez possivelmente a temporada mais consistente da carreira, com ótimos resultados inclusive no saibro – algo que lhe faltava. E seu 2015 não acabou, é bom que se diga. O escocês ainda vai brigar pelo título da Copa Davis no fim de semana, em Ghent, na Bélgica (se o confronto ocorrer, já que as questões de segurança na Bélgica não são as mais favoráveis).

Tendo em conta que Murray fechou 2014 ainda sem mostrar o velho tênis pré-cirurgia nas costas (ele operou em setembro de 2013), 2015 foi um grande ano que começou com uma ótima campanha na Austrália e teve grandes momentos como o título em Madri (final no saibro e na Espanha contra Rafael Nadal), o troféu em Queen's e a conquista em Montreal, além, claro, das atuações na Copa Davis (seis jogos e seis vitórias em simples – todos "live rubbers").

Se o escocês não fez mais na temporada, foi por causa do "efeito Djokovic". O sérvio lhe impôs derrotas em Miami, Indian Wells, Xangai e Paris, sem contar os Slams. Em Melbourne, Murray parecia o melhor tenista em quadra no início do terceiro set, mas perdeu-se mentalmente na partida e viu o rival disparar no placar. Em Roland Garros, outro jogaço. Nole abriu dois sets de frente, mas o britânico lutou e forçou o quinto, mas – de novo – sem sucesso.

No balanço, é injusto condenar Murray por ter feito o mesmo que a maioria do circuito: sucumbir diante de Djokovic. Ao todo, o britânico deixou de ganhar 2.760 diretamente por causas derrotas diante do #1 (a conta nem leva em consideração os ganhos em potencial em rodadas seguintes). Uma ou duas vitórias a mais contra Nole teriam deixado o escocês (que só venceu em Montreal) com folga na vice-liderança do ranking. Algo que certamente teria lhe colocado menos vezes diante do sérvio. Se serve de consolo, Andy abre 2016 como #2 do mundo e só encontrará Djokovic se os dois forem outra vez à final em Melbourne.

Stan Wawrinka talvez seja o protagonista do momento mais impactante da temporada. Quando Novak Djokovic apresentava-se como favoritíssimo para fechar seu Career Slam e conquistar Roland Garros, o suíço fez uma partida inesquecível (tão memorável quanto sua escolha de shorts para aquele torneio) e derrubou o número 1 do mundo. Era impossível prever na época, mas foi a única derrota de Djokovic em todos os quatro Slams em 2016.

Não que tenha sido o único momento de brilho de Wawrinka na temporada. Stan ainda foi campeão em Roterdã e Tóquio. Entretanto, após as fantásticas duas semanas de Roland Garros, houve uma sensação de que o suíço poderia ter feito mais – como quase sempre acontece quando se fala de alguém com tanto potencial – e até, quem sabe, brigado pela vice-liderança do ranking no fim do ano.

No fim das contas, Wawrinka encerra a temporada na mesma posição que começou (em 2014, também conquistou um Slam) e sem responder de forma definitiva a questão que todos faziam no fim do ano passado: "Será que Stan consegue jogar seu tênis espetacular com mais frequência e brigar por posições mais altas no ranking?" Ou será que a resposta é "sim" e teremos todos que nos contentar de vez em ver seu melhor tênis em flashes (espetaculares) de brilho?

Rafael Nadal encerrou um turbulento 2015 de forma digna. Mais interessado do que nunca na temporada indoor de quadras duras, o espanhol fez uma longa série de torneios (Pequim, Xangai, Basileia, Paris e Londres) após o US Open e, inegavelmente, evoluiu em sua nova proposta de jogo. As boas vitórias sobre Wawrinka, Murray e Ferrer no ATP Finals comprovaram isso.

A distância para Djokovic, no entanto, não parece menor. No sábado, nas semifinais, o #1 foi superior desde o começo. Nadal até fez uma boa apresentação, mas raramente conseguiu sair da defesa (não que não tentasse) e fez pouquíssimo nos games de saque do sérvio. Sua posição de devolução, agora mais próxima da linha de base, embora lhe permita ser mais agressivo, reduz o tempo de reação. E o ex-número 1 quase nunca conseguiu atacar logo em seu primeiro golpe. O resultado disso foi um Djokovic confortável o bastante para ser até um pouco mais agressivo nos games de devolução.

No balanço, foi uma temporada muito abaixo da média para Nadal, que, ainda assim, fecha 2015 como número 5 do mundo. O copo-meio-cheio da coisa toda é que seu tênis evoluiu nitidamente desde o começo do ano e lhe rendeu bons resultados em circunstâncias que não são as mais favoráveis (quadras duras, rápidas e cobertas). Os fãs podem levar algum otimismo para o começo de 2016.

Tomas Berdych foi, mais uma vez, consistente em sua inconsistência. Dono de um tênis com potencial para ir mais longe do que normalmente vai em torneios grandes, o tcheco teve como melhores resultados em 2015 os títulos de Shenzhen e Estocolmo (ambos 250).

É bom que se diga, contudo, a primeira metade do ano foi admirável para Berdych. Ainda que não tenha levantado troféus, só foi derrotado por gente do nível de Ferrer (Doha), Murray (Melbourne e Miami), Wawrinka (Roterdã), Djokovic (Dubai e Monte Carlo), Federer (IW e Roma), Nadal (Madri) e Tsonga (Roland Garros). Ou seja, a crítica ao tcheco segue a mesma: faltam as vitórias "grandes".

Terminar o ano em sexto não é novidade para Berdych. O mesmo aconteceu em 2010 e 2012. Em 2011, 2013 e 2014, ele fechou a temporada em sétimo. Ou seja, já são seis temporadas ininterruptas no top 10, mas a pergunta para 2016, assim como no caso de Wawrinka, segue a mesma: "Berdych vai, enfim, ganhar um Slam e dar um salto no ranking?" A resposta, no momento, não parece tão otimista. Com Djokovic imbatível, Federer inesgotável e Nadal e Murray incansáveis, o cenário não é nem um pouco mais favorável ao tcheco do que em outros momentos.

David Ferrer, #7, termina sua sexta temporada seguida (e sétima ao todo) no top 10, o que é fenomenal para um atleta de 33 anos que claramente não tem potência de golpes para derrotar com consistência gente como Djokovic, Federer e Nadal. O espanhol, contudo, compensa com consistência, obediência tática, concentração e preparo físico.

Não por acaso, Ferrer chegou a Londres dizendo que chegar às semifinais seria uma vitória e tanto. Não deu. Despediu-se com três derrotas, mas fez uma bela apresentação contra Nadal. Seu 2015 foi mais do mesmo – o que não pode ser uma crítica. Foi campeão em Doha e Kuala Lumpur (250); no Rio, em Acapulco e em Viena (500). E poderia muito bem ter chegado ao fim do ano com um ranking melhor se não fossem problemas físicos. Ferrer, lembremos, não jogou de junho a agosto. Ficou fora de Wimbledon e disputou o US Open sem a devida preparação.

Vale destacar as duas estatísticas acima, postadas pelo guru dos números da ATP, Greg Sharko. No ano inteiro, Ferrer perdeu apenas uma partida depois de vencer o primeiro set (43v e 1d). Além disso, perdeu apenas dois sets decisivos (15v e 2d).

Número 5 do mundo no fim de 2014, Kei Nishikori encerra 2015 em oitavo, o que tem mais a ver com a final do US Open de 2014 do que com o resto dos resultados do japonês. Entre problemas físicos (abandonou Halle, Wimbledon e Paris e não jogou em Cincinnati nem na Basileia por lesão) e um tênis em momentos inconstante, Nishikori mostrou o potencial de seu jogo aqui e ali.

Foi campeão em Memphis (250); e Barcelona e Washington (500). Além disso, fazia um excelente Roland Garros até viver um dia abaixo da crítica diante de Tsonga e da torcida francesa. Levando tudo em consideração, foi uma bela temporada, mas que acaba com a sensação de que Nishikori podia (e, talvez, devia fazer) mais.

Coisas que eu acho que acho:

– Fico com duas perguntas sobre Djokovic para 2016. 1) É mais fácil o sérvio cair de nível ou algum de seus adversários alcançá-lo no patamar jogado em 2015? 2) O que acontecerá quando Djokovic sofrer duas derrotas e começarem as perguntas e comentários do tipo "ele não é o mesmo"?

– Sobre a primeira questão, acho muito, muito mais fácil Djokovic fazer uma temporada abaixo desta animalesca de 2015. Aliás, seria loucura alguém esperar algo semelhante de quem quer que seja, em qualquer esporte.

– Sobre a segunda pergunta, imagino que Djokovic seja experiente e inteligente o bastante para não criar para si mesmo a expectativa de repetir 2015. Acho que o sérvio tem consciência do que faz e, consequentemente, saberá conviver com algumas derrotas a mais. No entanto, são só minhas opiniões. Vai ser divertido acompanhar o desenrolar disso tudo em 2016.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.