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Saque e Voleio

O número 1 que ninguém vê

Alexandre Cossenza

24/10/2015 16h32

O diálogo abaixo aconteceu na manhã deste sábado, quando fiz uma visita à minha mãe, no Rio de Janeiro. Foi mais ou menos assim.

– Você viu que o Marcelo vai ser número 1 do mundo?
– Vi. Mas como isso?!
– Ele tem ponto pra c… , mãe!
– Mas eu não vejo ele jogar.
– Ninguém vê, mãe. Ninguém vê.

Não, o assunto nem é novo, mas vem à tona sempre que um brasileiro se destaca. Por isso, aproveito o número 1 de Marcelo Melo (o mineiro assumirá o posto no dia 2 de novembro) para repassar alguns dos motivos pelos quais o melhor duplista brasileiro de 2015 não teve mais do que um punhado de jogos televisionados na melhor temporada de sua carreira.

Culpado #1: a ATP

Sim, há outros elementos a considerar, mas a ATP é a principal responsável se o público não conhece o circuito de duplas. Na maioria dos torneios, quase não há transmissão de jogos da modalidade. Nem uma assinatura do TennisTV, que custa mais de R$ 400 por ano (com esse câmbio, né?), garante que você vai conseguir acompanhar a modalidade decentemente.

Se nos ATPs 250, as transmissões são poucas, nos ATPs 500 elas são mais raras ainda. Quem aí lembra que a final de Marcelo Melo no Rio Open de 2014 não foi mostrada pelo SporTV? E nos Masters 1.000, então, o cenário escancara o quanto a entidade pouco se importa para a coisa toda. Em muitos casos, mesmo quando os torneios escalam jogos de duplas para as quadras centrais, onde há todo o aparato de transmissão, as câmeras são desligadas e os operadores ganham folga assim que um duplista sai do vestiário em direção à arena de jogo. É sério.

Os canais brasileiros

As finais, sim, são transmitidas sempre pelo TennisTV durante os Masters. Só que aí entra outro problema. É preciso que o canal dono dos direitos de transmissão mostre interesse nos jogos, que são adquiridos separadamente – ou seja, não fazem parte daquele pacote comprado e válido para toda a temporada. No Brasil, os direitos dos Masters 1.000 são do SporTV. E a final de Xangai, exibida pelo TennisTV, não foi mostrada no brasil pelo canal da Globosat. Já inclusive comentei o assunto neste post e no último episódio do podcast Quadra 18.

Restam, então, os Slams. Para a sorte do público interessado, Australian Open, Roland Garros, Wimbledon e US Open disponibilizam transmissões de quase todas as quadras. Só que os canais brasileiros nem sempre vão atrás das duplas. Juntando tudo, Marcelo Melo e Ivan Dodig estiveram nas TVs brasileiras menos uma dúzia de vezes. E antes que você diga "mas 12 vezes é muita coisa", pare e pense em qual seria o número mais justo de transmissões de TV para um top 10 (não precisa nem ser número 1!). E, a não ser que algum mude radicalmente em breve – e nada indica até agora que isso vá ocorrer – Marcelo Melo será um número 1 que ninguém vê.

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Coisas que eu acho que acho:

– Sobre o diálogo no alto do post, peço desculpas por quase reproduzir o palavrão. A questão é que "pra c…" transmite intensidade como nenhuma outra expressão da língua portuguesa.

– Enquanto escrevo este post, Melo venceu mais um jogo (sem transmissão, claro) no ATP 500 de Viena. Ele e o polonês Lukasz Kubot aplicaram 6/3 e 6/4 em cima de David Marrero e Andreas Seppi. Na final, Melo e Kubot vão enfrentar Jamie Murray e John Peers.

– Com o número 1 garantido, a briga de Melo parece agora ser para fechar a temporada no topo. A briga promete ser duríssima contra os irmãos Bryan.

– As fotos deste post são de Getty Images.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.