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WTA aposta nas estatísticas: desvirtuando ou modernizando?

Alexandre Cossenza

06/08/2015 13h41

A WTA anunciou esta semana uma novidade que pode ser gigante para o mundo do tênis. Já nesta temporada, técnicos e tenistas terão acesso a estatísticas durante as partidas. Em uma parceria com a SAP, a entidade que controla o circuito mundial feminino (não os Slams nem os ITFs) disponibilizará números e outras informações em "tablets autorizados" em "tempo real".

Segundo o texto distribuído pela WTA, os dados "ajudarão jogadores e técnicos e analisarem desempenho e otimizarem estratégias. Isso pode significar a diferença entre vencer e perder o próximo ponto, set, jogo – ou até o torneio."

Nessa mesma parceria com a SAP, a WTA já havia criado o "coaching app", um aplicativo que recebia as estatísticas para análise depois das partidas. Agora, a partir do WTA de Stanford (em andamento), os tablets serão abastecidos durante os jogos e poderão ser levados para dentro de quadra. Alguns dos dados serão:

– Lista de estatísticas lado-a-lado das duas tenistas atualizada a cada 15 segundos;
– Dados que analisam o desempenho no saque, a taxa de sucesso em fechar um game no saque e o número de break points salvos; e
– Dados que mostram o direcionamento dos saques, o ponto de contato nas devoluções e o direcionamento dos golpes durante os ralis.

Modernizar x desvirtuar

Antes de entrar no debate propriamente dito, faz-se necessária uma ressalva: o tênis precisa de mais estatísticas. As poucas que existem hoje explicam muito pouco sobre o que acontece em quadra. Quer um exemplo? Se um tenista teve "2/17" em break points e perdeu o jogo, é fácil "concluir", baseado neste número, que ele desperdiçou ótimas chances. Bobagem. Ele pode: 1) ter conquistado todas essas chances de quebra em apenas dois games; 2) ter quebrado o serviço do rival em ambos games; 3) ter quebrado duas vezes no mesmo set; 4) ter perdido o jogo em três sets. Ou seja, o número não "disse" quase nada.

Os casos são muitos. Os números do fim do jogo dizem que fulano cometeu 20 erros não forçados, mas quantos foram de forehand? E desses forehands errados, quantos foram na paralela? Quantos foram em mudança de direção? Quantos ficaram na rede? Quantos saíram ao lado? É que nem o diabo da estatística de escanteios no futebol. Por que raios eu iria querer saber que time cobrou mais tiros de canto? Mas eu divago. São tantas as informações omitidas pelos números "tradicionais" do tênis que realmente já passou da hora de as entidades (ITF, ATP e WTA) repensarem os números que colocam à disposição do público durante as transmissões. Tudo ali fica na superfície. Aprofundar é preciso.

Agora, a parte polêmica. A crítica que se faz e que se fez (e eu mesmo sempre fiz) quando a WTA decidiu permitir a entrada de técnicos em quadra durante as partidas é simples: a regra muda um dos preceitos básicos do esporte. O tênis, em sua essência, foi criado e regulamentado para que os atletas encontrem soluções por conta própria dentro das partidas. Isso valoriza tenistas com mais capacidade de "ler" o jogo. Com os técnicos em quadra, a mudança foi grande. E agora, com as informações à disposição? Seria um passo a mais para desvirtuar o esporte?

Tradicionalista que sou, tendo quase sempre a opinar contra mudanças radicais no tênis – e essas alterações promovidas pela WTA são as mais ousadas das últimas décadas. Se os atletas têm acesso a toda essa informação durante o jogo (e, como escrevi acima, o esporte foi imaginado para privilegiar competidores com capacidade de análise e raciocínio), alimentá-los com tantos dados não seria desvirtuar e (por que não?) "emburrecer" a coisa toda? Ou será que a versão moderna do "raciocínio próprio" passa a ser a capacidade da analisar essa informação e decidir o que fazer com ela? É um bom debate, não?

Ilustrando

Quanto às estatísticas, não tenho opinião formada, mas continuo contra técnicos em quadra. Principalmente por causa do elemento "desvirtualizador" que citei acima, mas não só por isso. Não é raro vermos cenas embaraçosas como tenistas "fazendo a egípcia" (um beijo, Sheila) ou discutindo com os treinadores no meio dos jogos. Há também aqueles casos em que o técnico manda o tradicional "continue assim porque ela não vai conseguir jogar nesse ritmo o jogo inteiro." Será que essa é mesmo a coisa mais inteligente a se dizer num intervalo?

Mas eu divago. Para amenizar, deixo aqui um caso desses fresquinho. Aconteceu nesta quarta-feira, no WTA de Stanford. Durante a partida contra a espanhola Carla Suárez Navarro, a americana Alison Riske chamou o "técnico" Stephen Amritraj em quadra e começou a se lamentar quando o rapaz retirou o microfone obrigatório e soltou um "shut the f*ck up" (um "cale a bola" com um palavrão no meio).

O vídeo acima não demorou a parar no Vine. Quando o jornalista americano Ben Rothenberg mostrou a cena no Twitter comentando a atitude do técnico, Riske respondeu: "Ele não é meu técnico, é meu namorado. Veio aqui usando um dia de férias e me ajudou a conseguir uma vitória sobre uma top 10."

A cena ilustra algumas das coisas que considero falhas graves da regra. A primeira delas é que um tenista pode nomear qualquer um para entrar na quadra. Não precisa ser técnico. Em tese, eu, você, minha avó ou seu tio, qualquer um poderia estar lá. Não é uma regra que joga necessariamente a favor dos técnicos. Outro ponto é o microfone. Como o tempo técnico tem a função de entretenimento, retirar/desligar o microfone é proibido. Pela regra, Amritraj não deveria mais poder entrar em quadra até o fim do torneio nem Riske pode indicar outro técnico. A WTA, no entanto, nem sempre aplica essa punição.

Coisa que eu acho que acho:

– Uma pena que, pelo menos por enquanto, fãs não terão acesso às mesmas informações recebidas pelos técnicos em seus tablets. Fica a expectativa para saber quando esses dados serão incorporados às transmissões de TV.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.