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Saque e Voleio

“O saque-e-voleio morreu?” (o paradoxo de Dustin Brown)

Alexandre Cossenza

03/07/2015 06h30

Não morreu, como Dustin Brown provou majestosamente nesta quinta-feira, no palco dos palcos do tênis mundial, diante de um bicampeão de Wimbledon. Mas o saque-e-voleio tampouco sai do leito de morte, sinto informar. O contraste de estilos entre o jogo agressivo do alemão de pai jamaicanos e o fundo de quadra de Rafael Nadal ficou mais do que evidente. E, quando tudo joga a favor, tem-se um espetáculo protagonizado por alguém talentosíssimo como Brown. Mas que ninguém se engane: dias assim nada mais são do que, mantendo a metáfora moribunda, um paciente reagindo a um desfibrilador.

Existe um motivo para o saque-e-voleio ter dominado o circuito por tanto tempo e nem é tão difícil explicar. Raquetes eram mais pesadas, com cabeças menores e cordas de materiais naturais (como tripa de vaca). Isso significava menos potência, menos efeito gerado nas bolas e mais erros. Logo, quem subia à rede primeiro e voleava de forma competente forçava o adversário a jogadas improváveis – fossem devoluções de saque ou passadas no meio de ralis. Some isso tudo com a grama, piso que dá menos tempo de reação ao tenista que está se defendendo e era superfície em três dos quatro Slams até 1974 (o US Open adotou o saibro em 75, e o Australian Open mudou para o piso duro em 1988). Já dá para entender, não?

Eis que chega, então, a modernidade. As raquetes ficaram mais leves e com cabeças maiores. As cordas passaram a gerar mais potência e spin. Os torneios trocaram a grama por pisos sintéticos (de manutenção mais simples e barata) e, na maioria dos casos, mais lentos. Logo, sacar e volear foi perdendo seu propósito. Pete Sampras, aposentado desde 2002, foi o último grande expoente do estilo. Andre Agassi, ainda que some mais derrotas do que vitórias diante do compatriota e contemporâneo, já mostrava que era possível anular o saque-e-voleio.

A geração que veio depois, com Gustavo Kuerten, já preferia o fundo de quadra. E até Roger Federer, um mestre junto à rede, passou a maior parte da carreira próximo à linha da base, de onde ele ganhava jogos correndo menos riscos. Subindo à rede, o suíço teve sucesso limitado contra Rafael Nadal, por exemplo. Agora quem dá as cartas no circuito é Novak Djokovic, um jogador com capacidades defensivas fantásticas e que, embora saiba atuar junto à rede, opta igualmente pelo "conforto" da linha de base. Dos cem primeiros do ranking mundial, menos de uma dezena usam o saque-e-voleio como recurso frequente. Não, o saque-e-voleio não saiu do hospital.

Do mesmo jeito que existe uma explicação para Dustin Brown conseguir uma vitória tão maiúscula sobre um dos maiores tenistas da história, com 71 pontos vencidos em 99 saque-e-voleios (grama, habilidade para volear e ótimos saques do alemão, grama, má fase de Nadal, grama, etc.), existe um motivo para Dustin Brown, 30 anos, estar fora do top 100. Do mesmo modo, é fácil explicar por que o veterano vinha de sete derrotas seguidas em Grand Slams: ninguém consegue jogar nesse nível todos os dias. Aliás, ninguém consegue atuar espetacularmente assim em uma quantidade razoável de dias.

É fascinante o paradoxo de Brown, que se apega a um estilo de jogo que praticamente lhe impõe um desapego das vitórias. Quando tudo se encaixa, é magistral. Faz o público aplaudir de pé, rir, chorar, ficar boquiaberto. Mas não é sempre nem será para sempre. Assim sendo, apreciemos enquanto for possível.

Vida longa a Dustin Brown.

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

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