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Saque e Voleio

O drama de Serena (e o nosso também)

Alexandre Cossenza

05/06/2015 06h00

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A bola veio perto do T, e Serena Williams estava bem colocada para soltar a direita e mandar a amarelinha longe do alcance da adversária. A americana logo abaixou a cabeça, suspirou, virou-se de costas para a rede e caminhou lentamente de volta para o fundo de quadra. Era só o terceiro ponto da semifinal de Roland Garros contra a suíça Timea Bacsinszky, mas a postura da número 1 do mundo daria o tom do drama vivido na Quadra Philippe Chatrier durante quase duas horas.

Serena entrou em quadra gripada. Desde antes, já havia relatos no Twitter de que a americana havia interrompido seu aquecimento por causa de uma crise de tosse. Independentemente da intensidade do problema físico, ficou claro desde o começo que havia algo errado. Bacsinszky, número 24 do mundo e presença surpreendente na semi, aproveitou. Jogando um tênis agressivo, inteligente e contando com pitadas de sorte aqui e ali, abriu 6/4 e 3/2. Com uma quebra de saque à frente e uma oponente combalida do outro lado, a suíça parecia muito perto da final.

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Só que, assim, de repente, o jogo mudou. Serena forçou dois erros de Bacsinszky, quebrou a adversária com um winner de backhand. Não, a americana não começou a saltitar serelepe e alcançar todas as bolas. Sua expressão exausta entre os pontos pouco mudou. Mas vieram dois aces no game seguinte, um par de erros forçados da suíça (que parou de conseguir winners), e o jogo mudou em 180 graus. Mesmo com cara de quem não aguentaria muito tempo em quadra (a mesma cara do começo do jogo, ressalte-se), a número 1 do mundo venceu dez games seguidos e fechou o jogo em 4/6, 6/3 e 6/0.

Serena tossiu ao conceder entrevista para Pioline ainda na Chatrier, deixou a quadra rapidinho e não apareceu para a entrevista coletiva. Foi cuidar da saúde, já que ganhou sobrevida no torneio e voltará para a final no sábado. Enquanto tudo isso acontecia, muita gente ficou se imaginando se (alguns, afirmando que) Serena Williams exagerou no drama e na demonstração pública de seu problema físico.

Ora, Serena sempre teve um pé na dramaturgia e um gosto pelos holofotes. Fosse nos tempos do combo barriga de fora + saia jeans, ou mais tarde, ameaçando enfiar uma bolinha de tênis goela abaixo de uma juíza de linha, ou gritando "I'm an American" para a torcida nova-iorquina ouvir durante uma discussão com uma árbitra. Há um bocado de exemplos e em uma carreira de mais de dez anos.

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Especificamente sobre o jogo desta quinta-feira, tive a impressão que Serena buscava poupar energia entre os pontos. Por isso, o caminhar lento as comemorações discretas mesmo depois de pontos importantes. Mas era só uma impressão. Não estou em Roland Garros, não vi seu treino de aquecimento e, principalmente, não sou médico. Logo, não serei leviano a ponto de apontar dedos e dizer que a americana estava fingindo ou exagerando.

Igualmente, seria leviano acusá-la de fazer cena para desconcentrar Bacsinszky. Até porque, como já apontei acima, Serena comportou-se da mesma maneira do início ao fim do jogo. Quando estava um set e uma quebra atrás, tudo bem. Durante e após a virada, já havia quem dissesse que tudo foi uma estratégia para atrapalhar a rival. Não entendo a lógica. Considerando (repito!) que a número 1 não começou a correr loucamente de um minuto para o outro, é como se alguém pudesse passar mal e perder, mas cometesse um crime logo que passasse à frente no placar.

Ao mesmo tempo em que Serena vivia seu drama e os fãs dramatizavam fora de quadra, vale apontar que Bacsinszky não seu um sinal sequer de incômodo com a suposta catimba da americana. Ao fim do jogo (vide tuíte acima), disse jamais ter pensado que Serena fez algo de propósito para desestabilizá-la. Afirmou também que qualquer um pode estar doente num jogo de tênis e que Serena mereceu vencer "porque encontrou soluções contra uma pequena menina suíça que fez seu melhor e jogou seu melhor tênis para incomodá-la." Simples assim.

A final será contra Lucie Safarova, uma estreante em finais de Slam. A tcheca, número 13 do mundo, se classificou ao derrubar Ana Ivanovic por 7/5 e 7/5. Foi um jogo bastante tático, com Safarova tentando estabelecer a dinâmica Nadal-Federer: uma canhota buscando o frágil backhand da adversária, que tem um forehand muito melhor. A sérvia segurou bem a onda e sacou para o primeiro set, mas não conseguiu confirmar e perdeu as rédeas do jogo.

Teria sido um triunfo mais confortável da tcheca se a partida não tivesse tomado um rumo estranho (e divertido) no fim do segundo set, com as duas atletas nervosas e cometendo seguidos erros. Ivanovic, que já vinha de uma chave bastante acessível, teve todas chances do mundo para vencer nesta quinta. Não conseguiu e vai ver Safarova encarar na final uma Serena Williams que não deve estar com 100% de sua saúde. Será uma decisão interessante.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.