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Saque e Voleio

Nadal: ascensão, queda e teorias apocalípticas

Alexandre Cossenza

04/06/2015 06h00

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Have you heard what they said on the news today?
Have you heard what is coming to us all?
That the world as we know it will be coming to an end
Have you heard, have you heard?

Em dez anos, nove títulos em Roland Garros. Em 94 jogos no saibro disputados em melhor de cinco sets, 93 vitórias. Em 13 temporadas inteiras como profissional, 46 títulos na terra batida. Ano após ano, Rafael Nadal estabeleceu padrões mais altos e mais difíceis de serem igualados – e, claro, superados. Inevitavelmente, chegaria a hora do retorno ao mundo dos mortais. Aconteceu com Sampras e Federer que reinaram absolutos em Wimbledon por anos. Aconteceu, em outros momentos e locais, com Agassi, Guga, Hewitt… Chegou a vez de Rafa Nadal.

A temporada 2014 já foi um tanto incomum para o espanhol. Acostumado a atropelar no saibro europeu, chegou a Roland Garros amargando derrotas para habituais fregueses em Monte Carlo e Barcelona. Também teria perdido em Madri, não fosse uma lesão de Kei Nishikori na decisão. Em Paris, contudo, Nadal renasceu e levantou o troféu. Eneacampeão. Feito fantástico, dos mais raros na história. Conquista que só aumentou seu mito e sua lista de inatingíveis.

Pois veio 2015, e os resultados não vieram outra vez. Desta vez, o ex-número 1 tombou até no Rio de Janeiro. Oscilou durante todos torneios no saibro europeu até que, vítima de seu ranking (#7 do mundo), precisou encarar Novak Djokovic nas quartas de final em Roland Garros. Invicto há 26 jogos, o sérvio só foi ameaçado na primeira parcial. Aplicou 7/5, 6/3 e 6/1 de forma retumbante, de forma a deixar o mundo do tênis se questionando se havia chegado o fim para o Rei do Saibro.

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É compreensível que o fim (ou a interrupção?) do reinado em Paris seja um momento simbólico. O Grand Slam do saibro, em cada temporada, sempre marcou o auge do tênis do espanhol. Logo, um revés como o desta quarta-feira chama atenção. Vale apontar, entretanto, que nada aconteceu de um dia para o outro. Os sinais já estavam todos à mostra no ano passado. Talvez o título de 2014 tenha embaçado os olhos de todos – o que também é compreensível. A mística era enorme. Parecia fácil acreditar que Nadal ascenderia a um nível extraterrestre anualmente em abril e maio. Se Djokovic não o fez no ano passado, escancarou as janelas, levantou o tapete e fez o mundo acordar desta vez com as trombetas dos sete anjos.

Não, Nadal não mostra o nível dominante de 2013 (ou de 2008 ou de 2010) desde o US Open daquele ano. E é bem provável que com Djokovic jogando um tênis obsceno e a geração de Kyrgios, Kokkinakis e Coric crescendo rapidamente, o espanhol nunca volte a reinar absoluto no circuito. Dizer isto não é afirmar que Nadal jamais será número 1 outra vez ou que não vencerá mais nenhum Slam. Federer não reina soberano desde 2007, mas já venceu um punhado de Majors e esteve no topo duas vezes desde então. O suíço, inclusive, esteve perto de ser número 1 ano passado, mesmo sem um título de Slam no seu ranking. Não é o fim do mundo. Imagino que seus fãs não tenham muito a se queixar hoje em dia.

O grande ponto de interrogação para os seguidores de Rafa Nadal não é a dedicação ou o foco. Quem viu pelo menos um par de jogos nos últimos dois meses pôde constatar as expressões de insatisfação durante as partidas. Houve pontos fáceis perdidos, chances desperdiçadas, saques quebrados e viradas cedidas. As portas que Nadal sempre trancou para os adversários este ano pareciam presas por pedaços de papelão dobrados no improviso. Mesmo à frente no placar, o ex-número 1 muitas vezes pareceu frágil, errático e inseguro. Virou vítima de si mesmo e alimentou a confiança de oponentes que nunca haviam experimentado enfrentá-lo em condições assim. "Vulnerável" era a palavra da vez.

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Nadal já indicou aqui e ali que sua condição física não é a mesma. Em uma e outra entrevistas, disse que gostaria de ter as pernas de dez anos atrás. Normal. Como acontece na carreira de qualquer atleta, chega o momento em que o tênis ultrapassa sua velocidade. Aconteceu com a geração de Agassi e Sampras, com a de Guga, a de Hewitt, a de Federer e vai acontecer com Djokovic e Murray, outros expoentes da faixa etária de Nadal. Quem tem muito talento sobrevive no topo por mais tempo (vide Federer). Quem não tem tantas armas fica para trás (vide Hewitt).

O que não se sabe é o quanto Rafael Nadal mudou seu jogo por causa disso. Está bem claro que desde 2013 o espanhol vem jogando de forma mais agressiva, atacando mais do que fez nos anos em que conquistou a maioria de seus títulos. De certa forma, forçou-se a sair da zona de conforto, o que é um comportamento admirável para qualquer atleta. Mas o provável é que Nadal não vá revelar o quanto seu corpo pediu essa mudança ou em que proporção seu "novo" tênis é consequência apenas da vontade de evoluir. Qualquer resposta, hoje em dia, soa como especulação. O ex-número 1 não deve abrir essa caixa-preta.

O que parece certo é que, mesmo diante de todas as dúvidas, Nadal seguirá tentando se reinventar, encontrando um equilíbrio entre seu jogo ofensivo, de riscos, e o tênis seguro, de porcentagem, que mostrou durante a maior parte da carreira. Rafa testou brevemente uma nova raquete em Monte Carlo, mas desistiu porque chegaria a Roland Garros com pouco tempo para se habituar a ela. Pode ser uma opção. Deve haver outras nos planos do Tio Toni.

Desde que venceu seu primeiro Slam, em 2005, Nadal desenvolveu um saque respeitável (em Roland Garros, igualou o de Djokovic em velocidade), voleios eficientíssimos, slices confiáveis e um perigoso backhand cruzado. E, claro, a potência de seu forehand só aumentou nos últimos dez anos. Com 29 anos, parece ingênuo imaginar que não há espaço (ou vontade) para Nadal evoluir e continuar como forte candidato ao título em qualquer torneio que dispute.

A quem tem dúvidas, vale ver a entrevista concedida em espanhol após a derrota para Djokovic. Embora de cabeça baixa durante a maior parte do tempo, Nadal foi incisivo em dois momentos. Primeiro, disse que está "como número 10 (do ranking) tendo seis meses a menos no computador e jogando muito mal nesses seis meses. Meu nível é melhor do que isto. E vou estar melhor do que isto." No fim, ressaltou: "Espero competir em Roland Garros de novo e competir para ganhar. Não competir por competir." Convém não duvidar.

When they found them, had their arms wrapped around each other
Their tins of poison laying near by their clothes
The day they both mistook an earthquake for the fallout,
Just another when the wild wind blows…

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.