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Thomaz Bellucci, o tenista que o Brasil ama odiar

Alexandre Cossenza

10/03/2015 14h50

Bellucci_Davis_Andujar5_blog

O brasileiro, especialmente aquele que vê casualmente qualquer esporte que não seja futebol, gosta de criticar. O alvo preferido é o árbitro, que invariavelmente rouba o Brasil. Se não tem árbitro, tem sempre um adversário desonesto, violento, catimbeiro, antiesportivo ou até puxa-saco do(s) juiz(es). O brasileiro também gosta de culpar "o sistema". O campo é horrível, a iluminação é péssima, a torcida "deles" é hostil e a federação nunca permitiria algo assim no Brasil. E, quando tudo se esgota, tudinho mesmo, o brasileiro reclama do brasileiro. É aí que entra a figura de Thomaz Bellucci. Apresento abaixo dez provas:

Não conheço as pessoas que escreveram os tuítes acima, não sei com que frequência acompanham esportes nem tenho a intenção de desqualificá-las. Os tuítes estão aqui apenas para dar substância ao que escrevo no primeiro parágrafo. O brasileiro "médio" gosta de reclamar do brasileiro (e isso nem vale só para o esporte, mas essa discussão fica para outro dia). Um dos autores acima, inclusive, para reclamar de Bellucci, criticou dois ginastas campeões mundiais, um cavalo campeão olímpico e uma levantadora campeã de Grand Prix e medalhista olímpica. Mas não é só ele. Já vi até um narrador de canal de esportes dizendo que o paulista deveria se aposentar e jogar sinuca.

Mas eu divago. O objetivo aqui é falar de Thomaz Bellucci e de como o brasileiro ama odiá-lo. Primeiro, aos fatos: o paulista já foi número 21 do mundo, conquistou três títulos no circuito mundial e passou mais de dois anos ininterruptos entre os 40 melhores do mundo. Até o último fim de semana, Bellucci somava 16 vitórias e dez derrotas em jogos de Copa Davis. Se você sabe alguma coisa de tênis, deve reconhecer (atenção: sem precisar comparar com ninguém!) que é um dos melhores currículos da história do tênis brasileiro.

Mais fatos: o paulista, hoje com 27 anos, é um tenista inconstante, que alterna momentos excelentes com sequências pavorosas. Bellucci não é só irregular tecnicamente. Aliás, nem oscila tanto assim em seus golpes. O aspecto mental de seu tênis é o que mais varia (e nem oscila tanto assim em Copa Davis). Sim, o atual número 2 do Brasil perde um bocado de chances e jogos ganháveis. E sim, Bellucci já desistiu mentalmente de partidas que não estavam tão perdidas assim (isso, aliás, também não acontece em jogos de Copa Davis).

Com um olhar superficial, é difícil entender como um atleta com golpes tão sólidos varia tanto. Até Rafa Nadal, em sua recente passagem pelo Rio de Janeiro, disse que não sabia por que Bellucci não tinha uma ranking mais alto. Mas tênis é uma combinação de técnica, mental e físico – outro ponto em que o paulista precisa evoluir. Atualmente no 85º posto do ranking mundial, Bellucci não consegue combinar todos esses ingredientes com a frequência necessária para brigar com os vinte primeiros da lista da ATP. É preciso mais.

Ainda assim, é admirável que um tenista com "tantas" falhas tenha alcançado tanto na carreira – e esse tanto inclui mais de US$ 3 milhões em premiações (sem contar a verba de patrocinadores). É um feito invejável. Por isso, me incomodou ler tantas críticas durante os últimos dias, enquanto o Brasil enfrentava a Argentina.

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Logo na Copa Davis, em que Bellucci costuma tirar o melhor de seu tênis. Nessa mesma competição, a "Copa do Mundo do Tênis", Bellucci soma uma linda virada (perdia por 2 sets a 0) sobre Alejandro Falla, da Colômbia, uma vitória memorável em cima de John Isner, em quadra dura e fora de casa, e os dois recentes triunfos sobre a Espanha que colocaram o Brasil de volta na primeira divisão.

Só que reclamar é mais fácil do que clicar aqui ou ali para se informar. Pouco importou, aparentemente, que Bellucci chegou a Buenos Aires em má fase, vindo de quatro derrotas seguidas. Ou que Bellucci fosse enfrentar dois adversários de alto nível (Leo Mayer, 27º do mundo, e Federico Delbonis, 79º). Ou que a quadra propositalmente muito lenta fosse favorável aos tenistas da casa. Ou, ainda, que a torcida barulhenta fosse fazer diferença (como fez em São Paulo, em 2012, quando Bellucci derrotou o mesmo Mayer).

Nessas horas, o que importa para muitos é a fama – justa ou não. Quando Feijão, em uma atuação memorável, perdeu o quarto jogo para Leo Mayer depois de 6h42min, Bellucci, aquele mesmo que foi festejadíssimo em setembro, quando até salvou match point e comandou a vitória brasileira em cima da Espanha, voltava a ser o Bellucci sem raça, perdedor, amarelão. Porque Bellucci é, hoje mais do que nunca, aquele tenista que o país ama odiar.

Coisas que eu acho que acho:

– O Twitter é prova. Eu mesmo sou um dos primeiros a criticar quando Bellucci deixa de acreditar em um jogo e entrega metaforicamente os pontos antes da hora. Também sempre questiono seu preparo físico, responsável por um punhado de derrotas – também antes da hora. Mas critico porque ele é "sem sangue", como dizem alguns? Ou porque ele está desonrando o país, talvez? Nem um nem outro. Apenas aponto o óbvio: que Bellucci tem golpes para fazer muito mais e que ganharia um punhado de jogos a mais se conseguisse administrar melhor os aspectos mental e físico.

– Nem o mental nem o físico, atualmente, faz de Bellucci, por definição, um perdedor, um amarelão, um tenista sem raça. A página da ATP está lá, com todos resultados, para provar. O site da Davis também tem tudo arquivadinho. Basta querer saber.

– Respeito quem discorda (educadamente). Há quem, mesmo lendo tudo isso que escrevi, vá continuar achando que Bellucci é um péssimo tenista. Tudo bem. Só que vale uma pergunta: se Bellucci é tão, mas tão ruim assim, como chegou a número 21 do mundo? Será que Bellucci é uma espécie de gênio por ter ido tão longe sendo tão ruim? Será que o paulista é o tenista mais sortudo da história? Será que conseguimos uma resposta?

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.