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Tutorial: como se programa uma rodada de um torneio grande

Alexandre Cossenza

24/02/2015 08h00

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O Rio Open, torneio ATP 500 e WTA International, terminou com mais elogios do que críticas e, é justo dizer, talvez tenha sido o mais bem organizado evento de tênis nos últimos anos em solo brasileiro. O evento, no entanto, terminou teve sua polêmica. A longa (e quente!) sexta-feira começou às 13h, com reclamações sobre o horário de início do jogo entre Sara Errani e Bia Haddad, e só terminou às 3h18min, quando Rafael Nadal eliminou Pablo Cuevas.

Em entrevista coletiva, Lui Carvalho, diretor do torneio, deu suas explicações. Depois, ao fim do torneio, conversou só comigo e explicou tudo, detalhe por detalhe, que foi levado em consideração na montagem da programação daquela sexta-feira. E como muitos leitores (e até jornalistas) não sabem como é o processo, faço este post, que acaba sendo uma espécie de tutorial de como se monta um dia de um torneio grande.

Primeiro, lembremos a resposta oficial sobre a polêmica da sexta-feira. Muitos levantaram a hipótese de que a partida entre Fabio Fognini e Federico Delbonis (penúltima do dia na Quadra Central) deveria ter sido transferida para a Quadra 1 (menor, com capacidade para cerca de mil pessoas). Na coletiva de domingo, Carvalho deu a seguinte explicação.

"O que aconteceu foi um caso daqueles que acontecem uma vez em um milhão. Os jogos se prolongaram por muito mais do que normalmente. Naquele dia, a WTA teve o heat policy (regra que dá aos tenistas dez minutos de intervalo entre o segundo e o terceiro sets em dias com muita sensação de calor) no jogo da Bia… O jogo parou por dez minutos… Muitos jogadores pedindo fisioterapeutas, toilet breaks, essas coisas. Essas paradas acontecem, estão dentro das regras, mas não são tão comuns do jeito que aconteceu. O que vem se discutindo bastante era a decisão do torneio de mover o jogo do Fognini para a Quadra 1. A gente foi acompanhando a situação, mas sobre a nossa decisão, a gente reforça que foi acertada por alguns motivos. Primeiro: o jogo que poderia ter sido mudado, na verdade, nas condições que a gente estava, era o do Nadal (contra Pablo Cuevas), mas obviamente que a gente não moveria o jogo do Nadal para uma Quadra 1, onde cabem mil espectadores, existem vários riscos de segurança, não tinha TV, coisas desse tipo. O segundo: como o jogo do Fognini não poderia ter sido mudado naquele momento, e ele estava entrando na quadra às 9h da noite. Se você falar para mim 'são dois jogos a partir das 9h da noite', não é nada absurdo. Acontece que o jogo do Fognini se arrastou por muito mais do que a gente previa e aconteceu o que aconteceu (Nadal só foi pidar na Quadra Central à 1h). E também na Quadra Central nós temos TV, temos um contrato de televisão (com a ATP Media) que nos força a mostrar as quatro quartas de final e, naquela situação, com o jogo entrando às 9h da noite, a gente achou que a decisão mais correta era manter o Fognini na Quadra Central. Enfim, foi um incidente que aconteceu, o jogo se arrastou um pouco mais, e o Nadal acabou entrando tarde. Mas nada que não tenha sido comunicado claramente com os jogadores no momento."

Agora, sim, vamos ao tutorial, que vai dar detalhes de como a programação daquela sexta-feira foi estabelecida. E, para que fique tudo bem claro, é preciso lembrar da programação de quinta-feira. Veja ela abaixo.

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É importante saber a programação de quinta porque a reunião que estabelece os horários do dia seguinte é sempre realizada por volta das 17h. É quando se sentam à mesma mesa o diretor do torneio, o supervisor da ATP, o supervisor da WTA, os tour managers e um representante da TV (no caso, da ATP Media, que envia as imagens para o mundo inteiro). E muita coisa entra nessa balança.

A chave de duplas é uma delas. Notem que na quinta-feira, Pablo Andújar jogaria sua partida de simples às 19h e a de duplas um pouco depois (de descansar). Logo, a organização, que montou o calendário às 17h, precisava considerar a hipótese de o espanhol avançar nas duas chaves. Se isto acontecesse, como manda a regra, Andújar não poderia fazer o último jogo de simples, já que precisaria também jogar duplas (o regulamento da ATP manda que um tenista sempre jogue sua partida de simples antes da de duplas).

Como Andújar enfrentava Fognini na quinta-feira, o vencedor daquele jogo foi escalado para a penúltima partida da sexta-feira, o que significava deixar como último confronto o vencedor de Nadal x Carreño Busta contra Pablo Cuevas. Até aí, nenhum problema, já que o próprio Nadal pediu para jogar no último horário (a organização não é obrigada a atender os pedidos). E vale lembrar que escalar Andújar/Fognini x Delbonis mais cedo causaria outro tipo de problema. O vencedor deste jogo teria muito mais tempo de descanso do que Nadal/Cuevas. Sim, tudo isso precisa ser levado em consideração.

"O Ferrer jogou primeiro porque estava livre desde quarta-feira à noite. A partir do momento que passa a segunda rodada, você começa a pensar na seção (da chave) para não dar vantagem. Se, por exemplo, Nadal jogar quinta de manhã e o oponente jogar quinta à noite, é injusto porque um tem muito mais tempo de descanso. Segunda e terça, você nem pensa tanto na seção, mas a partir de quarta você já começa a juntar as seções. Uma vai de dia (a metade de baixo, com Ferrer) e a outra vai de noite (com Nadal)", explicou Carvalho.

Logo, a programação oficial de sexta-feira saiu assim:

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E ainda há algumas coisas a ressaltar. Segundo Carvalho, o regulamento da ATP diz que, em casos assim, apenas a última partida pode ser levada para outra quadra. Foi, aliás, o que aconteceu com a partida de duplas na noite de sábado. Quando Marach, Andújar, Oswald e Klizan entraram em quadra, havia apenas uma pessoa lá (a Aliny Calejon, que contou tudo em seu site, o Match Tie-Break).

Alguém pode indagar o porquê de se fazer a programação antes do fim da rodada, mas o motivo é simples. É preciso dar tempo para que os tenistas – especialmente aos que atuarão na sessão diurna – se preparem. Todos horários na vida de um atleta profissional são programados de acordo com o horário de um jogo.

Um ponto que ratifica o raciocínio de Carvalho no que diz respeito ao timing dos jogos foi o próprio andamento do torneio. De segunda a quinta-feira, o Rio Open teve seis partidas na Quadra Central, com a primeira delas começando às 11h. Não houve nenhum problema quanto a horário. A sexta-feira, que tinha um jogo a menos, começou às 13h. Não havia como imaginar uma sessão tão longa.

Coisas que eu acho que acho:

– Foi impressionante o número de pessoas que ficaram no Jockey Club Brasileiro madrugada adentro até a partida entre Nadal e Cuevas. A estimativa era de mais de 4 mil pessoas no clube. E foi bom ver, como escrevi no post anterior, que os estandes de comida e seguiram ficaram até além da meia-noite.

– A quem diz que foi um erro escalar Bia Haddad e Errani por causa do calor, a WTA passou uma informação importante. A sensação de calor na Quadra Central era maior às 16h do que ao meio-dia. Logo, não é justo culpar a organização pelas cãibras da brasileira.

– O torneio de Acapulco, que acontece esta semana, tem dilemas parecidos. É um evento grande, com chaves masculina e feminina, e precisa lidar com o calor. Por isso, começa a programação diariamente às 16h. A grande diferença é que o torneio mexicano usa seis quadras enquanto o evento brasileiro aproveitou, no máximo, quatro (três na sexta-feira).

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.