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Saque e Voleio

O voleio, a virada e a torcida

Alexandre Cossenza

19/02/2015 09h58

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Feijão teve três match points no segundo set. No último deles, sacou, viu a devolução lenta, alta, e teve um voleio fácil para matar a partida. Mandou a bola para longe. Perdeu a chance e o set. Na parcial decisiva, Feijão foi quebrado no sétimo game. No oitavo, conseguiu um 0/40 e viu Blaz Rola, seu adversário, vencer quatro pontos seguidos. Ainda assim, o número 2 do Brasil conseguiu a quebra, empatando o jogo e levantando a torcida. O momento mudou, e Feijão acabou vencendo depois de mais de 3h de jogo: 6/4, 6/7(9), 6/4.

Um jogo que esteve na mão (quase literalmente) e depois quase esteve perdido acabou colocando o atual número 88 do mundo pela primeira vez na vida nas quartas de final de um ATP 500 e, consequentemente, com o melhor ranking de sua carreira. Tudo isso, claro, com Feijão ganhando muitos pontos com a torcida brasileira. Não só por ter superado um momento complicado ou por ter mostrado raça, equilíbrio, mas porque soube jogar com a torcida. Gritou, pediu ajuda e acabou recompensando todos no fim.

Sua coletiva, mais de uma hora depois da partida, teve momentos divertidos. Selecionei as partes que considerei mais interessantes.

(falando sobre o voleio fácil que errou no match point)
"Difícil dizer o que eu pensei na hora. Na hora que eu sentei ali, ou eu ficava triste pensando no voleio ou eu jogava. Eu sabia que se ficasse pensando, me remoendo… Aquele primeiro game do terceiro set foi muito importante. Com dois break points… Se eu perco aquele saque, talvez tivesse outro rumo o jogo. Pensei em ficar positivo. A parte mental mais uma vez foi a chave. Mas o que eu pensei ali nem eu sei te falar."

(sobre o momento mais complicado da partida)
"O 0/40 ali, que ele voltou ali, naquele game, foi mais difícil. O voleio faz parte. Eu estava tenso, em qualquer lugar que eu botasse o voleio, cruzado ou paralela, era ponto. Só que (risos)… Difícil, cara (gargalhadas de todos)… Passa um milhão de coisas. O voleio mais fácil do mundo. Se não fosse match point, tenho certeza que a bola teria cruzado e acabou. Mas tensão… Normal. O principal foi ter ficado no jogo. Mas o 0/40, e ele voltar para iguais, ali, eu falei 'meu, se eu não pegar agora, vai escapar e aí é muito difícil.' Ia ficar 5/3. Foi muito importante. E ali eu vi que ele estava muito tenso. Ele me deu duas duplas faltas. Ali foi chave."

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(ainda sobre o voleio)
"Cara, não sei o que eu pensei na hora. Falei 'vou meter, vou meter, vou meter… Isolei três metros a bola, velho'. Normalmente, esse voleio é cruzado. Qualquer tenista sabe, saca para um lado, voleia para o outro. Acabou o ponto. Só que eu inventei."

(questionado se teria vencido o jogo um, dois anos atrás)
"Pô, você tá me botando pra baixo, eu já virei muito jogo assim (em tom de brincadeira, para gargalhadas de todos). Ah, cara, é tudo uma construção, né? Quando a gente vai ficando mais velho, a gente vai se acostumando com essas situações. Quando eu era mais novo, já virei, já perdi, você sabe como é. Tem jogos que a gente deixa passar e tem jogos que a gente vira também. Os caras só lembram quando a gente perde. 'O Feijão perdeu um saque ali e entregou um jogo.' Mas e os outros jogos que eu virei também? Nunca ninguém vê. Hoje, com certeza, estou conseguindo me manter mais nesses momentos difíceis, principalmente quando perco meu saque, que é minha principal arma. No dia que estou sacando mal, a minha baixa um pouco mais. Estou mais leve, me mexendo melhor, estou um cara mais sólido, então estou um cara mais confiante mesmo nos momentos em que estou atrás no placar. Estou lidando melhor com a situação, com certeza, mas um ano, dois anos atrás, não dá para saber, né?"

(sobre se seria mais especial ir longe num ATP 500)
"Ah, seria legal (com tom e cara de que não faria tanta diferença assim, para mais gargalhadas de todos). A pergunta foi meio vaga, assim. Mas não é porque é um 500 que vai ter um valor a mais. Eu gosto de jogar com essa galera, eu gosto de interagir, tenho certeza que hoje, se não fossem eles, não sei se eu teria saído vencedor. Perdendo o segundo set, comecei a ver a galera vazando, falei 'ih, a galera não está mais acreditando em mim (fazendo voz de triste)'". (mais gargalhadas)

(sobre se já é possível mudar sua programação de torneios com o novo ranking)
"Não tem muito o que mudar até porque as listas de Miami e Indian Wells já saíram e eu vou ter que jogar quali nos dois. Se eu estivesse com esse ranking (entre 70-80, para onde Feijão vai após o Rio Open), eu entraria, mas não tem muito o que mudar, o que arriscar. Vou acabar jogando Miami e depois vou ter que jogar os Challengers que eu já tinha planejado porque nos ATPs eu também não vou entrar. As listas saem seis semanas antes. Então não tem o que mudar. Não tem por que dar uns tiros para jogar os qualis, entendeu? Como não tenho nada para defender até julho, devo jogar ainda mais uns Challengers para, aí sim, ter uma gordura porque os pontos grossos, que eu tenho que defender, estão mais no segundo semestre. Agora é hora para aproveitar e somar o máximo possível para eu poder arriscar no segundo semestre e ter essa gordura de ter feito o máximo de pontos no primeiro semestre."

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Coisas que eu acho que acho:

– Ainda vou fazer um post sobre as últimas duas semanas de Feijão (Brasil Open + Rio Open), mas enquanto o torneio carioca não acaba, uma impressão vai ficando mais clara para mim: o público de tênis gosta de torcer por João Souza. Ele tem um certo carisma natural e um tanto expressivo em quadra sem precisar forçar. É fácil para a torcida se identificar. E fica mais fácil ainda quando ele grita, pede ajuda e mostra raça para continuar num jogo que parece perdido.

– O parágrafo acima não é uma comparação com Thomaz Bellucci, embora seja uma tentação natural fazê-lo. Bellucci é a referência do tênis brasileiro e, há tempos, é o único atleta do país a disputar ATPs consistentemente. Mas não, nem tentei comparar. O que adianto, antes de construir um post só sobre o assunto, é que a subida de Feijão e a consequente atenção dada ao tenista de Mogi das Cruzes podem dar um pouco de paz e tirar uns mbars da pressão que existe desde sempre sobre Thomaz Bellucci. Pode ser muito, muito bom.

– Já está definido desde a derrota de Bellucci para Nadal, mas é bom lembrar. Caso Bellucci não jogue ou não vença no ATP de Buenos Aires, Feijão será o número 1 do Brasil na Copa Davis. Caso João Souza derrote Andreas Haider Maurer nas quartas de final, aí sim entrará no top 70 e assumirá o posto de tenista mais bem ranqueado do país já na próxima segunda-feira.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.