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Saque e Voleio

De numero 1 do Brasil à sala de imprensa do Rio Open

Alexandre Cossenza

19/02/2015 14h27

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Em 2014, ela ligou pedindo um convite. Este ano, ligou pedindo emprego. Em 2011, ela era número 1 do Brasil. Hoje, trabalha na sala de imprensa do Rio Open. Qualquer que seja a apresentação, Ana Clara Duarte, carioca, 25 anos e, ressalta, não aposentada, tem uma história nada convencional. E é assim que ela gosta. Por isso, escolheu a vida dinâmica do jornalismo como carreira.

Um dia antes do início da chave principal do Rio Open, conversei com Ana Clara na sala de imprensa, até porque não há melhor lugar para dois jornalistas trocarem ideias e baterem um papo. E vocês, leitores, vão perceber que a suposta "entrevista" correu como uma conversa normal. Na maioria das vezes, inclusive, era ela quem direcionava o papo (um óbvio sinal de que ela tem talento para a nova profissão).

E foi uma conversa bacana. Ana Clara lembrou de seu melhor momento na carreira – uma viagem à Austrália que incluiu dormir em oito lugares diferentes durante um torneio -, da lesão no ombro que atrapalhou seu retorno e de como as decisões e mudanças de rota vieram naturalmente. Coisas de uma menina que sentiu necessidade de viver algo além do tênis.

Ela fala da paixão pelo jornalismo (apesar dos salários), pela dinâmica e deixa claro que ainda não abandonou o tênis. Mas já escrevi demais nesta introdução. Leiam o papo porque a história é bem mais legal nas palavras da própria Ana Clara.

Como foi a decisão? Onde, como, por quê?
Na verdade, não foi uma decisão assim "ah, a partir de hoje eu estou para o lado jornalista e não mais para o lado tenista." Foi uma coisa bem, assim, passo a passo, muito tranquila, natural, sem pular nenhuma etapa. Pelo contrário. Acho que a vida foi decidindo um pouco por mim. A grande decisão mesmo foi o momento que eu decidi voltar a estudar, eu acho. Eu tinha 23 anos, estava morando em Porto Alegre há um ano e meio, mas fora de casa desde os 16. Foi o grande momento. Foi quase uma necessidade de me envolver em uma outra coisa que não fosse o tênis. Estava faltando um pouco de equilíbrio na minha vida, no sentido de que era só tenis. Meu lado pessoal… Tênis não pode ser tudo na vida o tempo inteiro. Quando está assim, você perde um jogo e acha que é o fim do mundo e vai cair tudo… Sabe?

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E é pior porque vira uma bola de neve, você leva para o torneio seguinte…
Exato. Fica uma coisa negativa. É uma pressão a mais, é uma coisa que não estava me fazendo bem porque eu me vi num momento que eu já tinha passado por um momento muito bom na minha carreira, não estava conseguindo voltar tão rápido quanto eu gostaria e eu sempre fui muito perfeccionista, sempre me cobrei bastante, mas eu estava entrando num ciclo que estava me prejudicando. Eu falei "não, eu quero voltar a estudar." Eu não estudava há uns seis, sete anos, quando eu tinha me formado na escola, e não queria (estudo) à distância. Fiz questão que fosse presencial porque eu achava que precisava ver outras pessoas, ouvir outras histórias, falar sobre outra coisa que não fosse tênis.

Você morava em Porto Alegre porque treinava lá, não?
Eu estava treinando no IGT (Instituto Gaúcho de Tênis). Sempre treinei no IGT desde que fui para lá. E aí eu decidi voltar a estudar, e jornalismo era uma coisa que, assim, pensando em carreira… Eu sempre gostei de ler e escrever e nunca tive problema de falar, de me comunicar com as pessoas – e em público também. Falei, "cara, jornalismo pode ser uma coisa legal" e era uma profissão que, no futuro, eu poderia estar próxima do esporte se eu seguisse essa linha.

Te falaram dos salários antes de você entrar na faculdade?
Falaram (risos). Eu fiquei sabendo. Até hoje tem gente que tenta me convencer. Mas foi isso que aconteceu. A grande decisão mesmo foi essa, na hora de voltar a estudar. Óbvio que isso implicou várias outras coisas. A partir do momento que estou frequentando presencialmente uma faculdade, eu não consigo ficar quatro, cinco semanas fora, que nem na época de tenista. A partir daí, eu comecei a viajar menos, mas continuava treinando em dois períodos. Um ano depois, apareceu uma oportunidade de estagiar na área que eu queria, que era TV. Foi outro grande passo. A partir do momento que eu entrei no estágio, aí sim eu não conseguia mesmo viajar. Então foram dois degraus que eu fui subindo, dois passos que eu dei. Não sabia que a oportunidade do estágio iria surgir tão rápido, no terceiro semestre. Eu achei que iria conseguir conciliar por mais tempo. Então foi por isso que eu digo que tudo se decidiu mais com as coisas fluindo do que….

(interrompendo) Da faculdade, você gostou de cara?
Gostei de cara. É que na PUC de Porto Alegre, no primeiro semestre a gente já tinha algumas cadeiras práticas. Eu acho que isso é um diferencial da faculdade. Agora eu transferi, estou no quarto semestre e é tudo teórico.

Aqui no Rio?
É, estou na Facha (Faculdades Integradas Hélio Alonso). Não consegui transferência, preciso esperar mais um ano para ir para a PUC. Estou tendo tudo teórico. Mas na PUC, no primeiro semestre, a gente já tinha coisa prática. Isso foi muito legal. Depois, comecei a estagiar e vi a rotina de uma redação, como funciona, falei "caramba, eu gosto mesmo", independente de todos lados… De salário, essas coisas. Mas e aí, como eu não tinha mais esse vínculo com o tênis, tão forte, não tinha tanto por que continuar em Porto Alegre. Falei "é hora de voltar para o Rio", que foi outra decisão, depois de nove anos que eu estava fora. Foi outro grande passo.

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Nesses nove anos fora, você morou onde mais?
Logo que saí do Rio, fui para São Paulo. Depois, passei seis meses nos Estados Unidos, aí fiquei três anos em Floripa e fiquei três anos em Porto Alegre também. Morei nove anos sozinha, voltar para a casa dos pais… Sempre fui muito apegada à minha família. Era uma coisa que me pesava bastante. Não estar em vários acontecimentos, várias datas… Apesar de ter sido uma decisão bem difícil porque eu sabia quanto a PUC de Porto Alegre é conceituada e eu já estava inserida num processo. Foi uma decisão difícil, mas eu achava que o quanto antes eu transferisse, melhor porque perderia menos créditos e teria mais tempo para consegui rum estágio legal.

Você veio para o Rio quando?
Cheguei dia 1º de fevereiro. Tipo ontem. Super recente. Só consegui mesmo a transferência no mês de janeiro. Então também não podia sair correndo. Entreguei apartamento, também não podia sair correndo da Band porque precisavam de mim, tinha gente de férias… Aí fiquei o mês de janeiro e vim para cá.

E você estava jogando torneio até julho do ano passado, não foi?
É. No segundo semestre, só joguei os Jogos Abertos mesmo. Acabei não jogando nenhum torneio oficial da ITF.

Com que frequência você tem jogado?
Não joguei esse ano ainda.

Não sente falta?
Sinto, sinto falta. E vendo aqui, estando nesse clima, sinto falta de competir.

Essa era minha próxima pergunta. Estando aqui dentro…
Vou te falar. No fim de semana que deu 50 graus (temperatura), em não estava com muita inveja, não. (risos) Eu estava bem aqui no ar condicionado. Mas assim… O que mais me atraiu por ficar seis meses na TV foi justamente essa adrenalina de não saber o que vai acontecer, de você ter uma coisa programada, e as coisas acontecerem completamente diferente. De você chegar e ter que tomar decisão rápido… Isso é o que mais se aproxima do que eu sempre tive na minha vida, essa adrenalina de … (estalando os dedos), sabe? Dinâmica! Não vou ficar de segunda a sexta, horário comercial e… Sabe? Minha vida sempre foi assim. Este Carnaval seria o primeiro que eu teria inteiro (de folga), mas nunca tive isso, sabe? Nunca tive feriado na minha vida. Jornalista eu sei que também, não tem.

É, não.
Eu gostei bastante por essa dinâmica, por não ser uma coisa monótona. O tenista está cada dia num lugar, cada semana numa competição diferente. Na TV, eu estava na mesma redação, mas cada dia a gente estava falando de uma coisa diferente. Podia programar o dia seguinte inteiro, mas acontece uma coisa, cai tudo e vamos fazer tudo de novo.

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E seu ranking, você ainda sabe?
Não. Acredito que até julho, ali… (Ana Clara é a número 915 do mundo). Sinceramente, não sei meu ranking, não olhei mais. Não por falta de curiosidade, mas por estar tão envolvida em um outro processo. É difícil falar "parei, me aposentei." Digo que estou numa fase de transição. Até porque mudei de cidade, ainda estou me organizando, vamos ver como vai ser minha rotina, essas coisas. E sinto falta do tênis. A vida de atleta combina comigo. Sou uma pessoa que faz as coisas certinho. Hoje, estou indo na academia, fico uma hora e isso é quase ser sedentário. Para quem treinava dois períodos por dia, todos os dias… Não posso ser 100% tenista, 100% estudante e estagiária. Vamos ver esses próximos meses se eu consigo me manter jogando eventualmente ou competindo em torneios menores. Eu sinto falta! Não é uma coisa… Muito tenista corda um dia fala "não quero mais jogar tênis, enchi o saco, não quero mais tocar numa raquete." Comigo não foi assim, sabe? Eu amo tênis, amo esporte desde pequena. Minha família inteira joga, está envolvida. Vamos ver o que acontece nos próximos meses.

Fala um pouquinho dos seus últimos anos no tênis. Seu melhor ranking veio em 2011, nem faz tanto tempo assim. Sua melhor sequência foi na Austrália, no fim de 2010. Foram cinco torneios, com um títulos, dois vices e…
Uma primeira rodada e uma oitavas.

Com foi a partir dali?
Realmente, ali foi meu melhor momento…

(interrompendo) Aliás, deixa eu te interromper porque nunca te perguntei sobre isso. Todo mundo sabe que não é barato viajar e ficar na Austrália e ficar cinco, seis semanas. Se não tivesse resultado, você pagaria isso tudo do seu bolso?
Eu estava jogando um Future (torneio com premiação de US$ 10 mil) em Itaparica e consegui uma ajuda nas passagens. Sóque era só a passagem. Ou eu ficava e jogava um segundo Future em Itaparica ou eu arriscava e iria jogar a sequência. Só que a Austrália e um país caro e eu teria que arcar com todos os outros gastos. Se eu não tivesse ido tão bem, eu iria ficar com um belo prejuízo. Arrisquei, acabei indo bem e pagou a viagem toda. Mas na primeira semana, que eu fui campeã, eu troquei de hotel oito vezes.

Oito!?
Porque eu cheguei no hotel oficial (em Cairns), não conhecia ninguém, não tinha nenhuma pessoa nem sul-americana. Era uns US$ 200 a noite. Não tinha as mínimas condição de eu ficar. As mínimas, as mínimas. Cairns é uma cidade turística, perto da barreira de coral. Foi desesperador, eu não sabia o que ia acontecer. Na primeira semana, eu não consegui me enturmar tanto. Não me deram uma abertura. Era um torneio feminino e masculino, era cheio de grupinho, todo mundo se conhecia. Eu fui pulando de um lugar para outro. treino até conseguia (parceiro), mas passava o dia inteiro no iPod. No meio da semana, as pessoas já começam a te ajudar, começou a mudar… Mas nos primeiros dias foi bem complicado.

Mas e os oito hotéis? O primeiro era muito caro, mas e os outros?
Os outros não tinham vaga, aí dormi dois dias no sofá do cara que organizava e tinha o bar do clube, depois ele me conseguiu outra coisa… Fui quicando. Acabei ficando lá mais de uma semana porque cheguei antes, fiz final e só fui embora na segunda. Nos últimos dois, três dias, acabei ficando na casa de uma moça que morava lá. Foi bem complicado mesmo. Loucura, sabe? Quando a gente para pra pensar… Mas a gente aprende. Isso também é importante. Te faz crescer como pessoa, como atleta. Não tinha para quem correr, para quem gritar. Até quando ganhei o torneio, tinha que dar discurso. Falei "a única coisa que falei era ter alguém para abraçar agora." Aí o diretor do torneio pega e me abraça. Porque não tinha ninguém, eu estava sozinha lá. Mas isso me fez crescer muito como pessoa. Não foi só essa. Esse poder de decisão você leva para o resto da sua vida. Saber lidar com pressão é um dos grandes ensinamentos do esporte.

Você voltou à Austrália em 2012 e não deu tão certo…
Meu 2011 inteiro, que eu passei como número 1 do Brasil, foi baseado naquele ranking de 220-230, que entrei no US Open e tal. E não tive nenhum resultado expressivo. Se eu não fosse bem naquela mesma época, meu ranking iris despencar de novo. Então foi isso que aconteceu. Não fiz nenhum resultado significativo para sustentar. Quando chegou outubro de 2011, que eu não defendi os pontos, caí e logo me machuquei (tendinite e bursite no ombro direito). Passei três meses de 2011 quase sem jogar e só em 2012 que eu fui fazer a pré-temporada em Porto Alegre. Gostei, achei que era um lugar legal e fiquei lá durante esses três anos. Mas nunca consegui recuperar o ranking que eu tive, mas vivi ótimos momentos morando lá. É uma cidade que eu gosto bastante e não sei se não tivesse o IGT se eu teria continuado.

Para terminar, uma pergunta do Sylvio (Bastos, comentarista do Fox Sports). Como é procurar o torneio para pedir um wild card e, no ano seguinte, fazer a mesma ligação para pedir um emprego?
Quando fiquei sabendo que eu iria estar no Rio, sempre tive uma relação boa com o Lui (Carvalho, diretor do Rio Open) e queria estar presente de alguma maneira, fosse aqui na área da comunicação ou em qualquer outra área. Mandei uma mensagem para o Lui, dizendo "preciso falar contigo, me passa o telefone? Te prometo que não é para pedir wild card." Eu brinquei com ele, ele falou "me liga", e a gente conversou por telefone. O Lui me abriu as portas, se interessou pelo fato de eu já conhecer esse mundo e conhecer muita gente. Ele disse "a gente está precisando de gente que entenda do negócio", falou com a Diana (Gabanyi, chefe da assessoria do torneio), a Diana gostou da ideia e me incluiu no time. Foi meio de última hora e acabou dando certo.

E como é rever muita gente?
No primeiro dia, eu estava aqui, cruzei com a Ormaechea (Paula Ormaechea, tenista argentina, número 124 do mundo) no almoço aí ela: "Você está no quali ou na chave principal?" "Não, estou na assessoria de imprensa." Muitas meninas não sabem nem que eu estava estudando. É engraçado, já repeti essa história várias vezes. "Estou numa fase de transição" e tal… Mas está muito legal. Ontem fiquei atrás dos jogadores para pedir declarações para as redes sociais… As pessoas ainda estão estranhando um pouco, mas estou aprendendo bastante. É uma coisa que nunca fiz. E também estou contribuindo com esse lado tão familiar, que foi minha vida por tantos anos. É engraçado.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.