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Saque e Voleio

Bruno Soares: sobre ego, opinião e (falta de) confiança

Alexandre Cossenza

18/02/2015 10h15

O entrevistão anual de Bruno Soares para o Saque e Voleio sai de um papo que tivemos alguns dias antes do Rio Open. Publico a conversa um dia depois de sua estreia no torneio, sabendo que o mineiro de 32 anos continua insatisfeito com os resultados da atual temporada. Mesmo depois da vitória de terça-feira, Soares sabe que falta algo? Mas o que é esse algo? E os resultados abaixo do esperado seriam uma sequência de um fim de temporada nada fantástico (duas vitória e sete derrotas nos últimos seis torneios) ou algo completamente novo?

Bruno fala sobre o atual momento da dupla e sobre a pequena diferença entre ser número 3 e número 10 mundo. O atual número 12 do ranking de duplas da ATP ainda falou cobre como o ego é afetado nas conversas com o parceiro. Leia!

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Sem querer soar apocalípitico, porque sei que em duplas tudo muda muito rápido e você e o Alex (Alexander Peya, parceiro de duplas de Soares no circuito) já viveram algumas sequências assim antes, mas não é o começo de temporada dos sonhos e vem depois de um fim de 2014 com mais derrotas que vitórias, mas vocês estão preocupados com esse começo de 2015, com três vitórias e quatro derrotas?
Ano passado, no fim do ano a gente não jogou tão bem. A gira indoor é uma gira que a gente joga super bem, só que foi bem diferente. A gente estava bem mais cansado, teve o desgaste dos dois anos, de tudo que a gente fez, do tanto que a gente jogou, e realmente foi uma coisa muito mais física. Este ano, na verdade, o que eu acho que está faltando é voltar aquela confiança que a gente tinha de vitória. Quando chega o momento e você sabe que a coisa vai acontecer a seu favor. Dois jogos deste ano, dos três que a gente perdeu, a gente dominou. Um foi a semi de Auckland, que a gente fez um primeiro set fantástico e o segundo set estava controlado até aquele game que a gente perdeu meu saque de 40/15 e a coisa mudou. No super tie-break, a gente não conseguiu jogar nosso melhor. Foi parecido com o que aconteceu em São Paulo. Nós dominamos, tivemos break point no 1/0, no 2/1, no 3/2, e aí chegou no final, e os caras começaram a jogar melhor. A gente não conseguiu matar o jogo.

Isso é uma peculiaridade da dupla, né? Se um time joga bem aqueles dez minutos do fim do segundo set e do match tie-break…
Exatamente. Era isso que eu ia falar. Match tie-break está em aberto. E na verdade não está em aberto como numa situação do Brasil Open, que eu sou o jogador da casa, e o Alex se sente como jogador da casa. Você quer muito aquela vitória, acaba se pressionando um pouco mais. E os caras, que são jogadores de simples, não têm nada a perder. Então entra numa situação que não é fácil. Os caras estão jogando solto, pegando com tudo na bola, e a gente com aquela pressão. Mas, de uma forma geral, este ano, eu estou bem satisfeito com o nível que a gente vem jogando. Em Auckland, a gente fez três grandes jogos. Na Austrália, a gente fez uma primeira rodada fantástica contra Troicki e Youzhny. A segunda rodada foi o único jogo que a gente não conseguiu render, se encontrar. Fora isso, na semana passada fiquei muito frustrado de a gente perder aquele jogo, principalmente da forma que foi – dominando e tal. Mas não estou insatisfeito com a forma que a gente vem jogando. Então acho que é isso: a gente tem que recuperar, de repente ganhar um torneio, ter uma sequência de vitórias boas para voltar ao que a gente estava. Que é diferente da fase do fim do ano passado…

(interrompendo) Você, então, não vê isso como uma grande má fase que vem desde o fim de 2014, então?
Não. A gente nunca teve uma sequência… Ano passado foi a primeira vez que eu e o Alex fomos para uma viagem e voltamos com um record (retrospecto de vitórias-derrotas) negativo. Em dois anos e meio de parceria no mais alto nível. Isso, realmente, é muito bom. Mas são situações diferentes. Ano passado, a gente não estava jogando bem, a gente estava cansado fisicamente e psicologicamente. É outra coisa. Agora estamos bem preparados, bem fisicamente e estamos jogando bem. A gente só precisa encontrar agora aquela confiança da vitória.

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Com toda sua experiência, ainda bate essa pressão de "estou jogando no Brasil" ou "os caras são simplistas e vão jogar soltos"? Isso vai estar sempre no circuito?
Vai estar.

Por exemplo, no jogo com o Troicki e o Youzhny, vocês jogaram bem e dominaram. Mas se chega um momento que aperta, e os caras começam a soltar o braço porque são dois simplistas, sem pretensão de fazer uma carreira nas duplas, isso é uma coisa que sempre incomoda? O saber que os caras estão jogando por "nada"?
Não, não me incomoda. O que muda… Por exemplo, no Brasil Open: não é que tenha pressão a mais. Tem aquela vontade a mais de jogar no Brasil. Obviamente, quando chega no momento chave, te segura um pouco o braço. Não é que eu entro na quadra falando "tô jogando em casa, tô pressionado". Hoje em dia, isso é uma coisa extremamente natural para a gente. Mas, obviamente, na hora do "vamo ver", você pensa um pouco a mais. Em Auckland, a situação continuaria igual, jogando meu jogo, para ganhar. Como está em São Paulo, Brasil e torcida, você pensa um pouco mais. "Quero ganhar esse jogo, ir bem no torneio." E isso te dá uma seguradinha no braço, o que é super normal. Mas o lance de jogar contra um jogador de simples não me incomoda. Faz parte a vida inteira. É assim. Você tem que saber usar o que você tem de melhor para conseguir neutralizar isso aí.

O verbo "irritar" talvez não seja o melhor, mas não te (pensando na palavra)…
Frustra?

Não é bem isso. Não é o "irritar" no mau sentido, mas não irrita estar, por exemplo, numa semifinal de ATP contra dois caras que nunca jogam dupla, e aquela partida significa muito mais para você do que para eles?
É, isso faz parte. O que às vezes passa na sua cabeça é você ver que o cara joga completamente solto. A gente sabe o tanto que é mais gostoso e mais fácil jogar tênis assim. E como a gente vive disso aí, a gente sempre tem algo a perder…

(interrompendo) Tipo o Fognini. Deve ser chato demais jogar dupla contra ele.
Exatamente! Se nas simples ele já é assim… Ele já tem essa soltura… Ele é um cara ultra habilidoso, e o mais difícil é que ele sabe jogar muito bem dupla. Ele tem muita noção, sabe bater as bolas, sabe se posicionar.

E faz parecer displicente, o que irrita quem está torcendo contra!
Mas o Fognini é assim nas simples, né? Você imagina na dupla, que tem um parceiro do lado e ele joga mais relaxado. Mas isso não tem jeito, faz parte. Ao mesmo tempo, tem duplistas que só jogam assim. São características de cada um, de cada adversário. Você tem que saber lidar com isso. Não adiante dizer "o cara jogou solto, perdi." Não, você tem que entrar lá e dar seu jeito de ganhar.

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No fim do ano passado, você teve uma conversa com o Alex…
(interrompendo) Sentamos, claro. A gente tem nossas reuniões trimestrais, com o Scotty (Scott Davidoff, técnico da dupla) também. São reuniões mais sérias, de análise de jogo, coisas a trabalhar…

Como foi a última do ano passado?
Foi meio que um balanço geral do Masters (ATP Finals). A gente não envolveu as derrotas do fim do ano. A gente fez um pacotão do ano, falamos de coisas para trabalhar na pré-temporada e o que a gente mais falou, independentemente de ter terminado o ano com mais derrota do que vitória, foi que a gente teve uma temporada fantástica. Passei o ano inteiro, de janeiro a setembro, como 3 do mundo. Ah, terminei 10? Beleza, mas estou entre os dez melhores do mundo. Tem que saber avaliar isso também. Não é porque comecei 3 e terminei 10 que tive um ano ruim. No meu conceito, tive um ano fantástico. Se eu terminar 3, como 2013, é um ano espetacular.

O segundo ano é mais difícil, né? Entre o chegar e o ficar…
(interrompendo) Exatamente. O lance também de você terminar 3 ou 10 são quatro jogos no ano. É uma quartas de final de Grand Slam…. Vou te dar um exemplo. Um jogo que custou muito foi o de quartas do US Open. A gente vinha jogando super bem contra o Marc López, pegaria o Marcelo (Melo) na semi. Ou seja, eram mais 360 pontos, com a possibilidade de seguir vivo no torneio. A gente era capaz de fazer final. Nessa brincadeira, são 800 pontos a mais. São esses quatro, cinco jogos do nosso ano que, se a gente ganha aqui e ali, essa é a diferença que vai te deixar 3 ou 10 do mundo. Em 2013, nós tivemos seis títulos e cinco finais (vices). Ano passado, tivemos dois títulos e seis finais. Entendeu? Se a gente ganha quatro dessas finais, já são 1.500 pontos a mais. Em vez de terminar 10, eu termino 4. Só que para você estar nas cabeças tem que fazer o resultado grande. Essa é a maior diferença entre 2013 e 2014.

Essas conversas mexem muito com o ego? Porque você precisa dizer para o Alex que ele tem que melhorar aqui e ali e, ao mesmo tempo, é necessário ouvir críticas ao seu jogo…
É, mexe um pouco. Você tem que ser bem aberto quanto a isso e saber aceitar. Hoje, a gente tem uma amizade muito legal dentro e fora da quadra. Tem muita conversa de coisas que a gente pode melhorar, "acho que isso aqui que você está fazendo é melhor de outro jeito"…

(interrompendo) Você pode falar?
Coisas do jogo, do tipo o jeito que devolve, o jeito que alguém está se posicionando… Ele acha que, em alguns pontos, quando estou devolvendo, não estou pressionando o suficiente e coisas desse tipo. E eu tenho que aceitar. A gente toma muito como base a dupla mista. Eu coloco muita pressão na dupla mista. Aí a gente comentou disso, do tanto que eu me mexo na dupla mista e pressiono. E é engraçado porque na dupla eu fico pouco mais assim (se movimentando menos junto à rede) por confiar muito nele (Alex). Às vezes, ele acha que tem que tomar um pouco mais de risco. Esse tipo de coisa. Mas realmente você tem que ter uma aceitação e saber escutar. O mais importante é o seguinte. As coisas que ele está falando… Eu sou parceiro dele. Ele quer que a gente melhore. Não está falando para me culpar de alguma coisa. Na nossa dupla, isso está muito bem entendido. A gente se dá muito bem quanto a isso. E tem o treinador que vai intermediar e dar a opinião dele, de fora, das coisas que a gente fala.

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E o quanto fica mais difícil o circuito à medida em que vocês estão há dois anos juntos e todo mundo conhece vocês? Porque não é questão de saberem quem tem uma boa direita ou esquerda. Já passam a saber as tendências, né? Onde você prefere sacar no 30/40 ou com que frequência alguém vai cruzar no "iguais", coisas assim…
Você falou a palavra certa. Os caras passam a te conhecer melhor, mas isso é normal. O que mais importa são as tendências. As jogadas que você sabe que o cara tem como jogadas de confiança. Isso as pessoas passam a saber, e você tem meio que se reinventar a cada período. Renovar o jogo, a estratégia, melhorar coisas que você não tem tanta confiança de fazer – para conseguir fazer em momentos importantes. Eu detesto, por exemplo, sacar e correr pra lá. No 40/0, é ótimo. Eu faço de olho fechado. No "no ad", eu já não faço. Eu corro pro meu lado de confiança. São coisas que você tem que trabalhar. É isso que a gente está fazendo. Tentando se reinventar.

O circuito de duplas está mais difícil hoje?
Não acho que está mais difícil. O circuito varia demais dependendo das duplas. Algumas trocas não se dão tão bem. Ah, junta fulano com fulano, dois grandes jogadores, mas não dá aquela liga. Os jogadores são os mesmos, vai mudando as duplas aqui e ali… É difícil julgar se está mais fácil ou mais complicado. É o que eu falei. Se você é 3 do mundo e quer classificar para Londres, precisa de X pontos, não interessa se os Bryans ganharam ou perderam. Se você fizer sua parte, você vai estar lá. Dizem "ah, Fognini e Bolelli saíram ganhando o Australian Open, vai dificultar para a dupla". Mas se eu fizer 3.500 pontos, eu vou classificar, que é o meu objetivo. Não preciso torcer contra ninguém. Preciso fazer a minha parte. Se eu fizer a minha parte, as coisas vão acontecer para mim.

Como você viu toda a atenção que deram ao Marcelo Melo quando ele chegou a uma semifinal no Australian Open?
Ah, acho isso ótimo. O pessoal tem uma mania de achar que quando um outro brasileiro vai bem, é ruim para ele. Minha opinião, que não é muito opinião, é uma certeza, é que quanto mais brasileiro for bem, melhor para nós. Se tiver o Marcelo na semi, o André na semi e eu perder na segunda rodada, é muito bom para mim também. O pessoal não vê isso. Vai ser ruim para mim se eu continuar perdendo. Não é o Marcelo que está aparecendo mais. É eu que não estou tendo resultado. "Ah, estão falando só do Marcelo." Mas é lógico, eu perdi na segunda rodada, o que que eles vão falar de mim? Se o Marcelo tivesse ganhado o Australian Open, melhor ainda. É mais atenção para o tênis, é mais gente falando. Acaba puxando coisas positivas para mim também. O que não adianta é eu tomar dez primeiras rodadas seguidas e ficar falando "o pessoal só está falando do Marcelo." Se eu estiver fazendo a minha parte, também vou ter meu espaço. Não concorro contra o Marcelo ou o André. Eu concorro comigo mesmo. Não muda quem está na sua frente se você está fazendo seu papel. Se o Marcelo ganha o Brasil Open, é ótimo. Se o Feijão ganha o Brasil Open, fantástico. É o que o tênis precisa. E eles ganhando, vem mais patrocinador, mais gente interessada no tênis, vai passar mais tênis na TV e, ao mesmo tempo, na semana seguinte, eu vou estar na final e eles vão estar passando isso. Por causa de tudo que a gente fez nos últimos anos. Não adianta pegar momentos isolados de cada um e ficar se culpando. "Ah, fulando está aparecendo mais."

Eu já perguntei isso mais de uma vez para o Marcelo, e ele saiu pela tangente, talvez porque a resposta pudesse causar alguma polêmica, embora não fosse a minha intenção. Eu pergunto "você acha que tem menos atenção do que merece, em contraste com o Bruno, que recebe muita atenção?", e ele brinca, dizendo "ótimo, eu descanso e o Bruno vai dar entrevista." E você, acha que ele tem menos atenção do que merece?
Não acho. O Marcelo é naturalmente um cara mais calado. Ele tem bastante atenção. O que eu vejo é o seguinte: eu tenho mais patrocinadores, então faço mais eventos, preciso ir a mais lugares do que o Marcelo. Ele tem menos compromissos nesse sentido. Mas quando a gente chega nos torneios, a gente tem a mesma atenção. O que eu senti é que os dois Grand Slams de dupla mista (US Open 2011 e 2013) me tiraram do meio só do tênis. Pessoas que não são tão relacionadas ao tênis passaram a me conhecer. "Ah, você é aquele rapaz que ganhou o US Open." Viu porque passou num programa diferente, que não é de tênis. Eu acabei fazendo e faço até hoje umas coisas não relacionadas a tênis porque o Grand Slam tem esse apelo muito grande. Mas acho que essa é a única diferença. Nos torneios, a atenção é a mesma. Acho que tem muita gente da imprensa que gosta de falar comigo também porque eu falo bastante. Eu dou uma liberdade, tenho acesso fácil também. Isso contribui para o pessoal pedir coisas.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.