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Saque e Voleio

O dia em que Bia Haddad quase ficou para sempre em uma cadeira de rodas

Alexandre Cossenza

17/02/2015 14h32

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Eu estava num hotel, numa cama, nos Estados Unidos. Eram 3h42min da manhã e eu, putz, senti que a minha perna estava formigando. Minha perna direita. Ali, eu levantei, vi que estava pesada a perna. Sabe quando você dorme em cima do braço e sente ele meio bobão assim? Minha perna estava meio bobona e meu dedinho do pé não estava me obedecendo. Falei "putz, que estranho dormir em cima da perna, nunca aconteceu isso". Aí fui na banheira e coloquei água quente para … sei lá! Me veio na cabeça (risos). Entrei na banheira de água quente e não mudou nada a situação. Continuava formigando. E minhas costas doíam. Aí eu, putz, "água gelada, segunda opção". Fui lá, liguei a torneira da água gelada e não mudou nada. Falei "putz, que que eu tenho?" Comecei a chorar, fiquei desesperada, bati na porta do Larri e falei "tá doendo muito, minha perna não está indo, não consigo ficar na ponta do pé, não vou jogar". Ele falou "vamos para o Brasil, a gente vai ver o que fazer".

Cheguei em São Paulo no dia seguinte, 4h da tarde e liguei para o meu médico. Ele falou "olha, estou indo para a Disney, não vou poder te atender. Vou te passar para um outro médico". Pensei "uhu, legal". Tipo… Meu avô é ortopedista, minha avó é pediatra, tenho tia que é neuro, tenho tia que trabalha com acupuntura… Minha família ficou "como assim, né?" Você faz trabalho de coluna e, quando precisa, ele te passa? Ele me passou para um cara que, sem palavras, só tenho a agradecer, que é o doutor Guilherme Meyer. Ele foi um herói. Naquele mesmo dia que cheguei dos Estados Unidos, fui internada. Às 10h da manhã do dia seguinte, que foi 12 de outubro de 2013, ele acabou me operando. No dia anterior, eu fiz um milhão de perguntas para ele. Perguntei como era o nome, a idade dele, perguntei acho que até quando ele pesava. Perguntei se ele já tinha feito essa operação, se eu ia voltar a jogar tênis, passava muita coisa na minha cabeça.

No dia seguinte, levantei da cama, já sentia minha perna e não sentia mais dor. É uma cirurgia de milímetros que ele raspa ali, que ele tirou o meu disco e, puta, desde 12 de outubro de 2013 eu não sinto mais dor.

O emocionado e emocionante relato acima é cortesia de Bia Haddad, 18 anos, recém-saída de uma vitória maiúscula no Rio Open. Após derrotar a argentina Maria Irigoyen por 6/1 e 6/1 e conquistar seu segundo triunfo da carreira em torneios de nível WTA, a jovem paulista contou como foi a traumática sequência de eventos que quase abreviou sua carreira. Na verdade, a lesão na coluna poderia até ter deixado Bia para sempre em uma cadeira de rodas.

Tudo aconteceu no ITF de Macon, um torneio com premiação de US$ 25 mil em outubro de 2013. A brasileira acabava de se recuperar de uma lesão no ombro direito, fruto de um tombo em um torneio em Campinas. Por ter ficado três meses sem poder se movimentar, Bia também teve de ficar sem tratar as três hérnias de disco que tem na coluna. Uma delas tornou-se uma extrusa, provocando a dormência na perna direita. Era grave.

Bia ainda tentou entrar em quadra naquele mesmo dia. Não deu certo. Teve de abandonar uma partida de duplas e voltar ao Brasil. A cirurgia era delicada, e havia risco de que a tenista perdesse o movimento da perna. Na coletiva desta terça-feira, Bia também contou como foi a volta a Macon, um ano depois.

Até joguei esse torneio agora, foi minha segunda gira viajando com o Bocão. Eu cheguei no hotel e falei "caraca", comecei a sentir a dor que eu estava, de nervoso. E o hotel… O quarto era igualzinho ao que eu fiquei. O banheiro, a cama… E eu lembrei do aeroporto, que eles me ofereceram cadeira de roda, e eu falei "nem a pau que vou de cadeira de rodas" (risos). Furei o quali desse torneio, ganhei três jogos, ganhei a primeira rodada da Brady e perdi para a Grace Min. Então fui lá de novo, foi mais um desafio para mim. Foi muito bom ter voltado lá e visto que um ano depois um ano, eu estava bem.

Número 270 do mundo e em franca ascensão em julho de 2013, quando sofreu a lesão no ombro. Voltou a jogar um torneio só em fevereiro de 2014, justamente no mesmo Rio Open, um ano atrás. Despencou para além da 500ª posição. Foi aí que aprendeu a olhar para a vida, a carreira e a família de maneira diferente. Trocou de treinador, deixando Larri Passos (e defendeu o gaúcho com unhas e dentes na coletiva) e assumindo uma parceria com Marcus Vinicius Barbosa, o Bocão.

Eu aprendi muito. De lá para cá, muitas coisas aconteceram. Troquei de treinador, troquei de preparador, comecei um trabalho com a Carla di Pierro (psicóloga), que trabalha com o Bellucci, estou fazendo um trabalho de coluna e venho cuidando do meu corpo. Comecei a me tratar antes como ser humano. Mudei muito a minha cabeça com isso. Desde que eu operei, eu comecei a dar muito valor para as coisas pequenas. Tipo eu estar com a minha família e dar valor para minha irmã, minha mãe e saber que a vida tem muito mais coisa que o tênis. Comecei a ver que o tênis é uma coisa muito pequena da vida. Eu tenho que curtir a vida e levar o tênis como se fosse um hobby, fazendo como eu gosto e sabendo que tenho que levar a sério.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.