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Saque e Voleio

Zerou

Alexandre Cossenza

27/01/2015 16h41

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Eram 17 derrotas consecutivas. Uma das maiores sequências do tênis, mas também uma das mais difíceis de entender – ou explicar. Sim, Rafael Nadal é fantástico. E sim, o espanhol sempre encontrou uma maneira de não deixar Tomas Berdych à vontade o bastante para atacar do jeito que prefere.

Mas 17? Dezessete? Contra um tenista que tem todas as armas necessárias para derrotar qualquer um? Contra um um finalista de Wimbledon? Um cidadão que não sai do top 10 desde 2010? Sim, é um tanto difícil entender como uma das melhores devoluções do circuito encontrou tantos problemas (desde 2006!) diante de um segundo saque nada intimidador.

Só que Berdych não é só mais uma devolução bonitinha na sua TV. É um dos melhores saques, é uma direita reta potentíssima, é uma esquerda velocíssima e difícil de ler. Perguntem só a Roger Federer, que tem retrospecto negativo nos últimos nove jogos contra Berdych – desde 2010. Ou a Andy Murray, que perdeu seis das dez partidas que fez contra o tcheco de 29 anos.

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É claro que há explicações técnicas e táticas para a superioridade de Nadal. O tênis com mais margem de segurança e os contragolpes fulminantes sempre pesaram. E, amiúde, a rara consistência do fundo de quadra fritava um ovo na cabeça de Berdych, que não resistia mentalmente. Mas de "explicar a superioridade" a entender a enorme frequência da coisa… Não é minha ideia preferida de exercício. Prefiro fugir daquele urso na bicicleta da academia.

Só que o confronto desta vez tinha alguns elementos favoráveis ao, ahem, "azarão". O Nadal de hoje, embora tão talentoso e veloz quanto sempre, investe em um tênis mais agressivo, com menos margem para erro. Talvez as seguidas lesões tenham cansado mentalmente o espanhol, que resolveu de vez não ficar mais em quadra por longos períodos. Talvez esteja sentindo que não consegue mais jogar tanto tempo na defesa. Talvez esteja sem paciência. Não importa o porquê. Eu divago.

O ponto é que o Nadal de hoje – pelo menos este das quadras duras, pré e pós-apendicite – é mais suscetível a dias ruins. E Berdych, sacando como nunca (ou como sempre!) e fazendo um grande torneio, só precisava de um diazinho abaixo da média do espanhol – aliás, escrevi sobre isso no dia em que Roger Federer foi eliminado. Berdych não parecia tão longe assim de interromper essa série.

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Assim, quando ficou claro que o melhor tênis de Nadal não passou pela portaria de Melbourne Park nesta terça-feira, Berdych assumiu o controle. E foi bonito de ver porque seu tênis é bonito de ver. Quando tudo se alinha para o futuro marido da dona Ester, Berdych é capaz de jogar de frigideira na mão e disparar winner sem quebrar ovo. Berdych resistiu, inclusive, à furiosa reação que Nadal sacou de algures no terceiro set. Salvou break points e matou o jogo no tie-break, quando tirou uma "daquelas" devoluções quando o placar mostrava 4/5.

A pergunta que se faz agora não é nova: Berdych está pronto para ganhar um Grand Slam? Não acho a pergunta tão injusta quanto a resposta que frequentemente leio. O tcheco, hoje com 29 anos, é quase sempre julgado como o tenista do quase. Como se fosse fácil furar o Big Four. Não é tão diferente assim do que se diz de Andy Murray. E, mais grave, costumam esquecer o retrospecto de Berdych.

Sim, o cidadão jogou uma final de Wimbledon, duas quartas e uma semi no Australian Open, além de semi e quartas no US Open. Em todos esses (seis!) torneios, Berdych foi derrotado pelo campeão. Nadal, Djokovic, Murray, Wawrinka e Cilic. Vale a pena mesmo rotulá-lo como perdedor? Talvez, não.

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Sem colar essa etiqueta, ou melhor, sem colar qualquer etiqueta (este blog é uma grande campanha antirrótulos), a questão que se faz agora é sobre o futuro de Berdych neste Australian Open. Parece, mais uma vez, uma boa chance de, finalmente, dar o passo que resta e conquistar um Grand Slam.

Dito isto, talvez não seja a melhor das chances. Andy Murray pode não ser o poster child de uma campanha em prol da aplicação de flúor em crianças (olha eu brigando contra os rótulos outra vez), mas vive momento raro. Neste ano, mostra tênis agressivo, confiança e consistência. Lembra mais o perigosíssimo Murray de 2012, campeão olímpico e do US Open, do que o do ano passado – aquele ainda buscava voltar do desvio forçado por uma cirurgia nas costas. E ainda restam Djokovic, Nishikori e Wawrinka do outro lado (Raonic é grande azarão) da chave. Será?

Por hoje, por enquanto, vale comemorar o passo a mais de Tomas Berdych. O tcheco zerou a sequência e zerou Nadal por nove games. Zerou o jogo.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.