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Saque e Voleio

Ferrer e a Framboesa de Ouro

Alexandre Cossenza

20/01/2015 05h11

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Imagine, caro leitor, uma vaca de Louboutins atravessando um lago de gelo fino. É frágil assim a margem que um tenista tem quando David Ferrer ocupa o território do outro lado da rede. Thomaz Bellucci, que não tinha Waze nem rota alternativa à disposição, tentou atravessar esse lago. Escorregou e não se levantou mais. Só que toda história tem dois lados, e não dá para descrever a atuação do número 1 do Brasil sem um merecido prólogo dedicado ao espanhol.

Contra um tenista muito bom – um top 50-70, digamos – Bellucci tentaria se reerguer arriscando menos e trocando umas bolas a mais. Recuperaria confiança, voltaria a agredir e equilibraria as ações outra vez. E David Ferrer até projeta uma ilusão de que é possível jogar assim contra ele. Sem um saque ou um forehand dominante, o espanhol trabalha minuciosamente todos os pontos até ver a chance de atacar.

É parte necessidade, parte inteligência. Ferrer sempre fez o melhor purê com as batatas que recebeu. Mas eu divago. A noção de que Ferrer é um devolvedor de bolas não é mais do que uma ilusão. Quem tenta só "passar bola" contra Ferrer se descobre, segundos depois, correndo atrás da amarelinha e recorrendo a golpes kamikazes para sair da defesa ou ganhar um pontinho.

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Em quadras e pisos diferentes, esse roteiro já foi filmado, refilmado, exibido e reprisado até esgotar a paciência de um programador do SBT, que comprou um filme depois de meia dúzia de aparições na imortal Sessão da Tarde. Pois Bellucci foi o personagem da vez. Numa cena sem cortes e de 54 angustiantes minutos, o brasileiro, depois de 15 games impecáveis e uma vantagem de 7/6(2) e 2/0, deu três pontos de graça, perdeu o saque quando podia abrir 3/0, e tornou-se o ator da vez no papel acima. Um papel de tantos atores, tantas locações, tantas plateias…

Não que todos esses integrantes de companhias mambembes fossem perder 12 games consecutivos – como aconteceu com o brasileiro. Bellucci foi um ator ruim, que não gostou do roteiro e desistiu no meio das filmagens. Só que a película foi rodada assim mesmo. Foi exibida em poucas salas, só na madrugada, para plateias pequenas. Os atores, contudo, não escapam dos críticos. Ferrer foi competente. Bellucci ganhou a Framboesa de Ouro.

Coisas que eu acho que acho:

– Registrando o placar: Ferrer venceu por 6/7(2), 6/2, 6/0 e 6/3. Bellucci, que era mesmo azarão antes da partida, segue com uma estatística desagradável: desde Roland Garros/2011, não alcança a terceira rodada de um Grand Slam.

– Feijão também deu seu adeus ao torneio na madrugada desta terça-feira. Caiu diante de Ivan Dodig por 6/4, 7/5 e 6/4. O número 2 do Brasil perdeu chances valiosas no segundo set, quando abriu 4/0, depois teve 5/2 e ainda desperdiçou quatro set points. É bem verdade que Dodig, sacando em 5/4 e 15/40 no terceiro set, pediu um tempo médico maroto no meio do game, mas também é verdade que um punhado de vitórias escaparam de Feijão desde o Challenger Finals.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.