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Saque e Voleio

O viciado

Alexandre Cossenza

12/01/2015 10h10

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São três letras para escrever mil, mas nem três mil caracteres fariam justiça completa à carreira – em andamento! – de Roger Federer. Neste domingo, o suíço conquistou mais um título. Um 250, diante de um freguês. Era uma chave nada espetacular, e ele passeou como já fez tantas e tantas vezes na vida. Mas o troféu de Brisbane, após o 6/4, 6/7(2) e 6/4 sobre Milos Raonic, acabou significando muito mais do que seu 83º título. Foi, afinal, sua milésima vitória.

Federer é o terceiro na lista de mais jogos ganhos na Era Aberta (a partir de 1968) do tênis. Jimmy Connors, que jogou mais torneios pequenos do que qualquer outro grande campeão na história, soma 1.253 vitórias. Ivan Lendl acumulou 1.071. Só que, como em quase tudo na vida, números contam a metade da história. A outra parte – a mais divertida para quem acompanha – está nos highlights, nos lances mágicos, nas grandes atuações, nas vitórias improváveis diante de grandes adversários e nos maiores palcos.

São tantos números e tanto talento que uma parte, qualquer que seja seu tamanho no total dessa obra-prima, é quase sempre esquecida: a dedicação de Roger Federer. Sempre gostei de dizer que o suíço é um viciado, um CDF. Muitos dos grandes – não só do tênis – que alcançaram uma parcela do seu sucesso se acomodaram. O suíço, nunca. O genial Marat Safin venceu um Slam em 2000 e levou mais de quatro anos até repetir o feito. David Nalbandian, possivelmente o maior talento puro de sua geração, nunca dedicou-se a ter o físico necessário para conquistar o que seu jogo lhe permitiria.

Federer passou por tudo com naturalidade. Ganhou um Slam. E ganhou dois, três, quatro… Fez o mundo perder a conta. Virou milionário, casou, teve dois casais de gêmeos… Deveria estar no Guinness como recordista em ter recordes. Durante todo esse tempo, nenhuma distração foi grande o bastante para fazê-lo largar o vício. Quando indagado sobre aposentadoria, geralmente responde de forma banal e divertida: "Estou ganhando, jogando bem, viajando mundo e curtindo minha família. Parar por quê?" Cidadãos normais esbanjariam em carrões, festas milionárias, longas viagens e passatempos excêntricos. Pois Federer passa parte de suas folgas jogando tênis na Ásia, na America do Sul, em Dubai e até num barco (vejam a última foto que postei no Facebook).

E o vício está aí, manifestando-se com mais frequência do que nunca. Dez anos depois de, no seu auge, ver a chegada de Nadal, Djokovic e Murray no circuito, segue, agora aos 33 anos, desafiando o trio nos grandes torneios e, de vez em quanto, até na briga pela liderança do ranking mundial. Sem nenhuma mudança drástica em seu jogo, Federer conserva a paixão pelo esporte e pelas vitórias. E, com elas, o tênis pelo qual o mundo se apaixonou mais de uma década atrás.

Coisas que eu acho que acho:

– Não custa observar um punhado de números interessantes sobre as mil vitórias. Elas vieram em 28 países (210 nos Estados Unidos) e contra 275 adversários (21 em cima de Andy Roddick) nascidos em 53 países diferentes (111 contra franceses). As quadras duras (621) foram o piso que mais viu Federer vencer, e mais de 70% dos triunfos vieram em sets diretos (737).

– As estatísticas dão uma noção da dificuldade chegar a mil jogando quase exclusivamente torneios de altíssimo nível. Quer um exemplo? Mais da metade das mil vitórias (638) veio em Grand Slams, Masters 1.000 e edições do ATP Finals. Mais um exemplo? São 303 vitórias contra tenistas do top 20.

– O "até quando?", que adoram levantar, nada mais é do que um bobo e paradoxal exercício de adivinhação e sofrimento. Meu conselho? Relaxem e curtam cada voleio improvável, cada gran willy, cada curtinha de backhand… E gravem o que for possível. Ver tênis vai ser bem diferente quando acabar.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.