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ATP aumenta prêmios: uns mais iguais que os outros

Alexandre Cossenza

17/12/2014 09h00

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Cheia de pompa e orgulhosa de si, a ATP fez o anúncio na última sexta-feira: a premiação em dinheiro aumentará nos Masters 1.000 e ATPs 250 de 2015 a 2018. Assim, a premiação total ao longo ano ultrapassará os US$ 100 milhões na próxima temporada e alcançará US$ 135 milhões em 2018. E tudo lindo no mundo maravilhoso do tênis profissional, certo? Errado. Muito errado.

A conta não é difícil de fazer. Os Masters 1.000, frequentados normalmente por um grupo que envolve os 60-70 mais bem ranqueados, aumentarão seus prêmios em 14% anualmente até 2018. Os ATPs 250, torneios menores, em que atletas fora do top 100 conseguem ocasionalmente entrar sem qualifying, terão aumento de apenas 3% anuais. Parece justo. Os torneios com mais visibilidade e patrocinadores de mais peso devem pagar ainda mais, certo? Errado.

A questão é que colocar mais dinheiro em jogo nos torneios maiores só aumenta o problema da distribuição de renda no tênis. Hoje, enquanto um quadrifinalista de Grand Slam recebe cerca de US$ 350 mil (foram US$ 370 mil no US Open), quem perde na primeira rodada leva para casa mais ou menos um décimo disso: US$ 35 mil era o valor pago no último US Open. Assim, ano após ano, a elite torna-se mais elite, enquanto o povo que ocupa a faixa entre 80-120 passa aperto o ano inteiro. Há quem possa viajar com estafe completo (técnico, preparador físico, psicólogo), mas também há quem precise de ajuda de sua confederação para conseguir pagar as contas e viajar o circuito o ano inteiro.

O panorama é mais complexo do que parece. Os tenistas passaram alguns anos reivindicando aumento nas premiações dos Grand Slams. Os quatro torneios repassavam aos atletas uma porcentagem ínfima de seus ganhos. Houve até uma ameaça velada de boicote, que não saiu das salas de reunião porque os Slams cederam. O reajuste veio, e com porcentagem maior para as primeiras rodadas. Era, afinal, uma maneira de compensar os míseros prêmios dos ATPs 250 e do Circuito Challenger. Para muitos dessa turma, US$ 35 mil significa o maior prêmio em dinheiro de toda a temporada.

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O renovado prize money dos Slams, no entanto, não resolveu o problema da "desigualdade social". Suponhamos que os perdedores de primeira rodada, que ganhavam cerca de US$ 20 mil até pouco tempo atrás, recebessem aumento de 100%. Passariam a ganhar US$ 40 mil. Suponhamos também que os campeões, com prêmio de US$ 2 milhões, recebessem "só" 10% de reajuste. A recompensa pelo título subiria em US$ 200 mil. Uma diferença e tanto, não?

Não existe solução simples. O abismo de remuneração entre os tenistas do top 20 e aqueles que oscilam entre 70-80 e 150 só tende a assustar ainda mais com esse reajuste comemorado pela ATP. E, como se não bastasse, os torneios da série Challenger (onde está a maioria dos tenistas que tentam um lugar ao sol) seguem sem uma luz no fim do túnel. O que mudou nos últimos dez anos foi a premiação mínima, que saltou de US$ 25 mil para US$ 35 mil (a serem distribuídos entre todos participantes). No entanto, a premiação máxima segue estacionada em US$ 125 mil, mesmo valor máximo do circuito em 1994!

Aliás, essa é outra conta fácil – e interessante – de fazer. Enquanto a série Challenger paga o mesmo de 20 anos atrás (embora algumas temporadas tenham visto um par de torneios de US$ 150 mil, abolida pela ATP), a premiação dos Masters 1.000 quase triplicou. Monte Carlo, por exemplo, distribuía US$ 1,47 milhão em 1994. Hoje, paga US$ 3,6. Logo, 20 anos atrás, um Challenger equivalia a cerca de 8,5% de um Masters 1.000. Hoje, vale 3,47%.

A consequência máxima é que saltar de nível ficou muito mais difícil. Como competir em igualdade de condições se o adversário acima vem ganhando mais dinheiro e, portanto, treinando, viajando e se alimentando em condições mais favoráveis? O tênis nunca foi tão desnivelado quanto hoje, e nada indica que exista uma placa de retorno nos próximos quilômetros dessa estrada.

Coisas que eu acho que acho:

– O mundo dos Challengers ainda tem "obstáculos" inesperados. Quem jogou o Aberto de São Paulo este ano (o torneio da foto acima) está sem receber a premiação até hoje.

– Os Masters 1.000 não estão nada felizes com o aumento que terão de dar nas próximas quatro temporadas. Escrevo sobre o assunto com mais detalhes amanhã.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.