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Saque e Voleio

CBT: na ponta dos pés entre a legalidade e a legitimidade

Alexandre Cossenza

15/12/2014 11h36

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O assunto desta segunda-feira é Confederação Brasileira de Tênis porque não podia ser outro. Devido às acusações da última sexta-feira (leia aqui), é não se pode deixar o assunto morrer sem as devidas explicações de Jorge Lacerda. Sim, a CBT emitiu uma nota oficial, mas o texto foi mais uma defesa do que uma prestação de contas – literal e não-literal – à comunidade tenística.

Não conversei com Lacerda após a reportagem da ESPN e, para ser sincero, não sou eu que tenho que falar com ele. Não vi todas as provas e uma entrevista minha não sairia como precisaria ser. Imagino que o dirigente vá conversar com o canal. Imagino que o repórter José Renato Ambrósio, possivelmente o mais competente da ESPN, vai aparecer com algo interessante por aí. Até que isso aconteça, porém, há alguns pontos importantes a ressaltar.

Verba pública x privada = legalidade x legitimidade

Na nota oficial, a CBT faz questão de ressaltar que "recebe verbas de origem pública e privada" e que "nunca utilizou verba pública para o pagamento do auxílio-moradia" de Lacerda. É um ponto importante. Desvio de verba pública é crime, enquanto usar dinheiro privado para fins alheios ao maior interesse do tênis nacional é "apenas" ilegítimo, imoral. Minha opinião? É tão grave quanto. Só que é muito mais fácil de "justificar" algo assim numa assembleia de federações afiliadas onde há um bocado de outros interesses em jogo. Não é segredo.

Aconteceu algo parecido com a CBV um tempo atrás. Em 2006, Ary Graça, então dirigente-mor do vôlei brasileiro, levou convidados para passar o carnaval no Centro de Treinamento de Saquarema. O caso, denunciado pelo jornal "O Globo", ficou conhecido como Aryfolia. Oficialmente, o Banco do Brasil (BB) pediu explicações, mas ninguém foi punido porque ninguém tinha como provar que a CBV usou verba pública para pagar aquelas contas.

Lembro bem porque acompanhei a história quando trabalhava no jornal "Lance!". O balanço publicado pela CBV continha uma dúzia de contas bancárias diferentes. Quem iria provar em quais daquelas contas havia dinheiro do BB? O resto da história é de conhecimento público. Ary Graça foi eleito presidente da Federação Internacional de Vôlei (FIVB), e a Confederação passou mais sete anos até que Lúcio de Castro surgisse com o Dossiê Vôlei na ESPN.

Não é tão diferente assim o caso atual da CBT. Será que Katia Mueller, a contadora autora das denúncias, consegue provar que foram utilizadas verbas públicas? E se não conseguir, o que acontece? Repito: para mim, a questão moral é tão importante quanto a legal (e sempre volto ao que escrevi neste post). O que justifica contratar e demitir domésticas com verba da CBT? Como explicar um recibo de R$ 20 mil de auxílio-moradia?

O silêncio dos jogadores

A postura dos atletas é preocupante. Nenhum dos tenistas relevantes brasileiros em atividade se manifestou (publicamente, pelo menos) sobre as denúncias desde sexta-feira. Nem Bruno Soares nem Marcelo Melo nem Thomaz Bellucci nem Feijão. Nada. Nenhuma palavra. Nem André Sá, presidente da comissão de atletas, usou suas redes sociais para levantar uma questãozinha que fosse. Ninguém entrou em quadra com nariz de palhaço.

Nem Gustavo Kuerten, que, lembremos, apoiou Lacerda quando uma assembleia de federações afiliadas mudou o estatuto e aprovou a possibilidade de um terceiro mandato do dirigente. Naquela ocasião, também lembremos, Guga, Soares, o capitão João Zwetsch e técnico Daniel Melo se manifestaram publicamente.

Para não deixar dúvida: não se sabe se houve questionamentos internos por parte dos atletas. Só me preocupa ver tanta gente importante e influente usando suas redes sociais para falar do treino de domingo, da IPTL, de Gabriel Medina e do MasterChef, sem mencionar um pingo de preocupação com o que vem sendo dinheiro com a verba (pública ou não!) que entra no tênis brasileiro.

As poucas críticas costumam vir, coincidência ou não, de ex-tenistas e gente que não usa um logo dos Correios na camisa. É o caso, como sempre, de Fernando Meligeni, um dos poucos nomes que nunca aparecem nas listas de convidados dos eventos da CBT. "Os atletas que 10 anos atrás sonharam com mudanças mais uma vez se sentem um pouco culpados. Afinal, a mudança era para ser em todos os sentidos e, se realmente for tudo verdade, fica claro que cometemos uma dupla falta no pé da rede", escreveu em sua conta no Facebook.

A sequência de "eventos políticos"

Lacerda costuma dizer que denúncias contra sua gestão geralmente surgem às vésperas das assembleias. Desta vez, foi a nota da CBT que se referiu ao caso como "evento político". Ainda assim, preocupa que a entidade esteja envolvida em seguidas questões com problemas em prestações de contas.

Foi assim com o Projeto Olímpico e com o Grand Champions, torneio realizado pela promotora do ex-tenista Dácio Campos. Este último, realizado com verba captada pela CBT junto à Lei de Incentivo ao Esporte (LIE), acabou com a entidade precisando devolver cerca de meio milhão de reais aos cofres públicos.

Como tudo isso vai acabar? Difícil saber. O Ministério Público provavelmente vai abrir uma investigação. Por enquanto, independentemente de questões jurídicas, legais e/ou criminais, fica no ar a esperança de que Lacerda venha a público e dê explicações ao mundo do tênis. E que elas convençam, claro. Porque, nunca é demais repetir, o legítimo é tão importante quanto o legal.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.