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Teliana: "As meninas são muito fechadas"

Alexandre Cossenza

05/12/2014 10h45

Foi um ano de experiências novas e de barreiras quebradas para Teliana Pereira. A número 1 do Brasil e atual 107 do mundo disputou pela primeira vez um Grand Slam – e acabou jogando logo os quatro -, montou um calendário com mais de uma dúzia de torneios de nível WTA e aprendeu um bocado. Na conversa que tivemos antes da coletiva de lançamento do Rio Open 2015, no Rio de Janeiro, falamos pouco sobre aspectos técnicos. A ideia era saber de Teliana como foi sua chegada nos torneios maiores. Que ambiente encontrou, quais as principais dificuldades e coisas do gênero. Acabou sendo um papo divertido (difícil não ser com Teliana), no qual a número 1 do Brasil ressaltou o quão frio é o ambiente nos torneios maiores. A pernambucana disse que ainda hoje é difícil conseguir parceiro de treino e que é quase impossível ter acesso às melhores do mundo.

O papo também passou por sua relação com Renato Pereira, seu irmão e técnico, e uma lembrança especial do Rio Open 2014 que, segundo Teliana, foi o momento em que ela passou a acreditar que era mesmo possível competir de igual para igual nos torneios de nível WTA. Leia!

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Vamos falar um pouco menos sobre tênis?
Você quer falar de quê? Futebol? Não sei se sou boa nisso! (risos)

Não, é também sobre tênis, mas um pouco menos. É que já li entrevistas suas falando sobre 2014 e de como foi um ano diferente, jogando os quatro Grand Slams pela primeira vez e mais WTAs. Mas o quanto isso muda a sua vida pessoal, fora das quadras? O quanto ela foi diferente em 2014?
Não mudou muita coisa (risos). Não mudou nada (pensativa). Eu venho fazendo minhas coisas normalmente e, para ser bem sincera, não tem nada que eu possa falar que teve uma grande mudança.

Imagino que financeiramente tenha sido o melhor ano da sua carreira…
Aí eu já não sei, tem que perguntar para o Alexandre (Zornig, namorado e manager). (risos) Mas com certeza foi um ano muito bom. Só de você pensar que eu joguei os quatro Grand Slams (com premiação média de US$ 35 mil para tenistas eliminados na primeira rodada), já dá uma…

O que você se dá ao luxo de fazer hoje e não podia antes?
Hoje, eu tenho mais condições de… né? Na verdade, eu não sou de esbanjar. Sou muito tranquila, sou caseira pra caramba. Fico com a minha família. Mas não teve nada assim…

Mas por exemplo… O que você fez com seu primeiro prêmio de Grand Slam?
Guardei!

Guardou?
Claro (risos)! Estou pensando no meu futuro! Não fico… Até porque não é tanto dinheiro assim. Estou guardando para o meu futuro. Pretendo construir a minha vida, ajudar meus irmãos, minha família, então estou guardando mesmo.

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Não foi seu primeiro ano jogando torneios de nível WTA, mas este ano foram 14 eventos. Você já está à vontade?
Estou super à vontade.

Não é um impacto mais, então?
Não. O bom de tudo isso é que as coisas, antes, eram tudo novidade. Chave de Grand Slam era novidade, jogar um WTA era… nossa, wow! Ainda mais quando eu fiz a semifinal em Bogotá, que parecia uma coisa de outro mundo. Hoje em dia, não. É normal, eu me sinto muito à vontade. Porque na verdade você acaba frequentando e conhecendo as jogadores. A entrada é um pouquinho difícil e estranha porque você não conhece muito as meninas, mas agora eu me sinto super à vontade. Conheço todas as meninas do circuito. Isso se tornou algo normal, não é nada de outro mundo.

A gente sabe que existe uma diferença grande de estrutura, mas o ambiente é muito diferente também?
O ambiente é mais profissional, com certeza.

Mais frio?
Isso. A estrutura é muito melhor. Eu sei porque jogo WTA e ITF também. Não tem nem como comparar. No WTA, eu sinto que as meninas são mais (pensando)… Cada uma vive mais na sua, sabe? Cada um faz o seu treino e vai embora. Na verdade, tênis não tem muita amizade, né? No WTA, não muda muito isso.

Isso era outro assunto que eu tinha na lista aqui. A Sharapova já falou algumas vezes, e a Bouchard falou também algo do tipo "a gente não está aqui para fazer amizade. A gente está aqui para competir." Mas dá para ter amizade?
Dá para ter amizade, mas o que você tem que ver é que ali você está competindo. Não adianta falar "não estou ali para fazer amizade" e ter o teu ambiente de trabalho desagradável. Tem que ser agradável. Não vou te falar que tenho melhores amigas, mas me dou bem com a Mariana Duque, com todas brasileiras e outras jogadoras. A Niculescu é uma menina que é muito simpática e estou sempre treinando com ela, eu me dou bem com a Paula Ormaechea… Eu não sou muito difícil de lidar, eu acho (risos). Agora… Ter melhores amizades… Realmente, isso é difícil porque a gente treina, está cansado, perde e quer ir embora, não quer ficar ali, sabe? Quando você chega no hotel, desliga um pouquinho. Você fala com a sua família, namorado, o que seja. Então eu não vou à procura de ficar conversando. Sou mais na minha.

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Nos primeiros WTAs, foi difícil conseguir parceiro de treino?
É difícil.

Ainda é?
Ainda é. As meninas são muito fechadas. Principalmente as melhores. Elas raramente treinam entre elas. Cada uma tem lá… Quando não está viajando com sparring, tem no torneio, que eles dão. Então às melhores não tem como ter acesso. Mas as outras meninas, que você já conhece dos outros torneios, você marca treino. Mas depois chega um nível em que você acaba se fechando um pouquinho mais. Eu, por exemplo, tento fazer um período com meu irmão, um período jogando set com as meninas. Não dá para ficar só fazendo treino com as outras jogadoras porque às vezes você quer trabalhar uma coisa que não é boa para aquela pessoa. Aí não bate o treino, né?

E Grand Slam é muito diferente? Digo na parte de relacionamento…
Não. É bem parecido, só que fica um pouquinho mais… Sinto que as pessoas ficam um pouquinho mais distantes pelo fato de ser muita gente, aquela loucura. Querendo ou não, é um entra e sai de vestiário, é um negócio bem louco assim. Mas é bem parecido com os WTAs.

Chega ao ponto de afetar o jogo da pessoa? Acontece de você, por não estar se sentindo à vontade no ambiente, entrar na quadra meio tímida também? Já aconteceu com você?
Não, nunca aconteceu comigo. Às vezes acontece de você entrar e não conseguir jogar porque é uma coisa nova. WTA, torneio grande, então… Eu lembro que fiquei muito tensa. Apesar de que é bobeira. Se você for pensar, é só mais um jogo na sua vida, não vai mudar grande coisa. Mas acho que é isso. Faz parte.

Mas isso te incomoda? Ou é questão de acostumar com o ambiente?
É uma questão de acostumar. Não me incomoda nem um pouco, até porque eu também estou sempre viajando com o Alexandre ou com meu irmão (Renato Pereira, seu técnico). Nunca estou sozinha. O ruim é quando a menina viaja sozinha, mas são poucas que fazem isso porque você acaba ficando numa solidão. As meninas não dão muita abertura, né? Mas eu estou super acostumada. Eu sou assim, mais quietinha, também.

Fala um pouquinho agora da sua relação com o Renato. O quanto de influência dele tem no seu jogo?
Bastante.

Em que parte tem mais?
Quando eu era pequena, eu sempre admirava o jogo dele. Eu sempre gostei. Querendo ou não, ele jogava muito parecido comigo. Claro que eu dou palpites porque sou eu que jogo e estou dentro da quadra, mas se você for ver, é bem parecido. Mas eu escuto 100% o que ele fala. A gente tem um relacionamento muito bom. É claro que irmão e técnico é difícil separar. Às vezes a gente estava se desentendendo um pouquinho na quadra e, duas horas depois, almoçando junto em casa… Ele é casado, eu moro com meus pais, só que ele passa o dia inteiro lá em casa, praticamente (risos). Então é um pouquinho isso. Ele é a-pai-xo-na-do, doente por tênis, ele só fala de tênis. E eu às vezes em casa não estou a fim de falar de tênis. Quero mudar um pouco. Essa parte é um pouco difícil, mas a gente está se dando super bem e… Ah, a gente é muito próximo. Nós somos em sete irmãos e todo mundo se dá muito bem. Eu tenho muita sorte de ter a família que eu tenho porque a gente é muito grudado.

Em cada momento, em cada fase de um tenista, o técnico cobra mais um aspecto do jogo. Hoje, o que o Renato vem cobrando mais?
É legal isso que você falou porque as jogadoras estão trocando muito de técnico e, querendo ou não, cada um trabalha um pouquinho mais uma coisa. O fato de o Renato me conhecer há tento tempo… Ele sabe o que eu gosto, e a gente não fica naquela de "ah, hoje vamos trabalhar isso?" Não tem não saber o que fazer. O que ele cobra muito, muito mesmo, é a parte de agressividade. Ele quer que eu seja muito mais agressiva, mas ao mesmo tempo sem perder a minha característica. Eu corro na quadra, devolvo tudo. E acho que é isso mesmo. Ele vem cobrando bastante eu sair de trás um pouquinho e ir entrando aos poucos (na quadra). Isso falta um pouquinho. E ritmo de jogo, né? Hoje em dia, o tênis está tão rápido que você tem que ter velocidade de bola e muita regularidade. É isso que estou trabalhando bastante agora, nessa pré-temporada.

A Teliana de hoje é melhor tenista que a começou 2014? Tecnicamente ou mentalmente?
(faz pausa para pensar) Eu venho tentando melhorar. Acho que tecnicamente eu melhorei bastante. Tenho muito ainda que melhorar, ainda bem, né? Acho que o ponto que eu mais melhorei foi a parte mental. Eu ganhei muita experiência este ano. O fato de ter jogado os Grand Slams, de ter jogado aqui no Brasil e ter passado por coisas muito novas… Eu não estava acostumada com isso! E o fato de ter passado por toda aquela dificuldade do joelho, de não saber se ia voltar a jogar ou não… E agora de novo eu tive que parar por um tempo… Eu estou mais madura, me adapto melhor às situações.

Eu fiz mesma pergunta para o Thomaz (Bellucci)… A gente está aqui numa coletiva de anúncio do Rio Open e é um torneio que deixou boas lembranças suas em 2014. Você jogou com torcida a favor, com clima a favor, muita coisa legal a favor, e você fez uma semifinal. Qual é a lembrança mais forte?
Com certeza, foi meu segundo jogo, com a austríaca (Patricia Mayr-Achleitner, 81 do mundo na época – veja no vídeo acima), que eu dei muita sorte. A rodada atrasou, e o Nadal jogava logo depois do meu jogo. Aquele jogo foi algo assim… Que eu nunca vou esquecer. Tinha muita gente assistindo, aquela quadra gigaaaaante e… Não sei! Foi o momento que mais me soltei. Estava olhando o vídeo ontem e falei "caramba, nunca imaginei que eu ia fazer aquilo, sabe?" Foi, com certeza, o momento mais especial. Depois, o fato de ter feito uma semifinal, foi um baita resultado. Eu andava, as pessoas vinham falar comigo, me reconheciam… Isso levantou a estima e, querendo ou não, me ajudou muito a poder elevar meu nível no ano e ver que eu também estava ali, no meio das melhores, sabe? Que eu poderia ir bem. Tanto que depois fui super bem em Charleston (derrotou a romena Sorana Cirstea, 27 do mundo, e alcançou as oitavas de final), fui só melhorando. Pena que eu não consegui terminar o ano (por causa de uma lesão no joelho), mas aprendi muito aqui. Espero que o ano que vem seja melhor!

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.