Topo

Saque e Voleio

Feijão: "Se não me querem na Davis, não vai mudar minha carreira"

Alexandre Cossenza

09/10/2014 06h30

SONY DSC

Os últimos 12 meses foram tudo menos entediantes na vida de João Souza. Primeiro, o atual número 2 do Brasil e 89 do mundo, mais conhecido como Feijão, perdeu um patrocinador que o acompanhou por nove anos e viu seu CT trocar de endereço. Começou bem a temporada, mas uma lesão freou sua arrancada. Depois, quando tudo parecia se acertar, veio a frustração por ficar fora do time brasileiro que derrotou a Espanha na repescagem da Copa Davis.

E, durante tudo isso, o paulista de 26 anos evoluiu. Fez dez semifinais em torneios da série Challenger (seis seguidas), disputou três finais e conquistou um título. Voltou ao top 100, de onde saiu em abril de 2012, e já pensa mais alto. Na semana que tem de folga antes de embarcar para dois Challengers na Argentina, Feijão conversou comigo sobre tudo que aconteceu na atual temporada. Vitórias, derrotas, Copa Davis e objetivos para o ano que vem.

Como sempre, Feijão não ficou em cima do muro. Voltou a questionar a última escalação do capitão João Zwetsch e foi ainda mais longe, revelando a mágoa por ter sido substituído em um confronto contra o Uruguai, em 2010. Disse que "as coisas têm que ser mais limpas". Por fim, afirmou ter optado por "passar a borracha" no episódio. As melhores partes da conversa estão editadas no texto abaixo. O vídeo tem a íntegra da conversa, sem cortes.

Você começou o ano como #140 do mundo. Ganhou o Challenger de São Paulo e seu ranking foi mais ou menos esse até o meio do ano. Ali, a coisa começou a andar. O que passou a dar certo?
Acho que desde o começo do ano que eu já estava… São Paulo me deu muita força, só que eu dei o azar de ter machucado no ATP, na segunda rodada. No jogo com o Haase eu estava me sentindo super bem e contra o próprio Montañés, que eu machuquei, particularmente acho que não perderia aquele jogo. Era um torneio que… Quartas de final, poderia tudo mudar ali. Seria Delbonis, depois o Thomaz. Não sei se eu ganharia ou não, mas eram boas chances. E aquela lesão me abalou muito. Até eu ir para a Europa, eu não tinha ganhado muito jogo. Fiquei um mês parado, perdi cinco semanas, quatro torneios nos Estados Unidos. Não tinha nada para defender. E isso mexe com qualquer um. Na Europa, foi uma escolha. Era para eu ter voltado depois de Paris, quando fiz três primeiras rodadas, mas escolhi ficar. Eu tinha Interclubes para jogar na Alemanha. Mudei os planos, resolvi ficar. Foi uma coisa nova para mim e isso me deixou forte. Acabei estendendo para 13 semanas direto na Europa. O Interclubes abriu muito a minha cabeça. Comecei a relaxar. É um dinheiro teoricamente fácil que entra. Até ali, eu não tinha ganhado nenhum jogo, mas deixei as coisas rolarem. Eu estava trabalhando duro, mas não estava conseguindo ganhar. Até que em Prostejov ganhei meu primeiro jogo na Europa. No meu quarto torneio. Foi um jogo duro, com o (Theodoros) Angelinos, o grego. Joguei mal, lutei e não-sei-o-que. Lembro que esse dia mandei mensagem para o meu psicólogo. Falei "ganhei, cara." Ele falou "demais, que lindo que você ficou no jogo. Você não estava conseguindo ficar com a cabeça no jogo. Vamos dar continuidade. Joga solto amanhã." Perdi na segunda rodada, um jogo de 6/3 no terceiro set, e a partir daí fui para a Itália. Minha namorada foi bem nesta semana que eu cheguei na semifinal. Ganhei do (Malek) Jaziri, embalei e comecei a jogar bem. O que eu tinha treinado, comecei a botar em quadra e a relaxar de cabeça. Um jogo, esse jogo de Prostejov, foi o jogo em que me soltei.

Você sai do top 100 na próxima semana porque caem os pontos do Challenger de São José do Rio Preto (Feijão, que foi campeão do evento em 2013, ainda deve ficar entre os 105 primeiros do ranking), mas sobram, em tese, cinco torneios na América do Sul. Você vai jogar os cinco?
Vou jogar os cinco. Viajo no sábado, jogo San Juan, Córdoba, volto uma semana, Bogotá, Guayaquil e o Challenger Finals. São cinco bons torneios, principalmente Bogotá, que é de US$ 100 mil. Guayaquil é de US$ 75 mil, e São Paulo dá 125 pontos para o campeão. E vai ser em quadra coberta, as condições vão ser melhores para mim. Jogando em casa, contra oito caras, o Thomaz (Bellucci) ou o (Guilherme) Clezar, um dos dois deve ganhar wild card, e a torcida vai estar totalmente a nosso favor. A galera vai comparecer. Fechar o ano assim, ganhando o torneio, é para fechar o ano com chave de ouro mesmo. Eu estou super confiante. O importante é que estou entrando em quadra relaxado. Estou mais competitivo do que nunca, eu acho. Estou com uma vontade, de dentro, que está me motivando cada vez mais a querer subir. Aconteceram algumas coisas fora da quadra que me motivaram muito. Por incrível que pareça, isso não me jogou para baixo.

SONY DSC

Eu ia chegar nesse ponto, mas já que você falou, vamos lá. A gente sabe o que você sentiu, mas o que te chateou mais por não ser convocado para a Copa Davis? Foi estar em um momento melhor que o Rogerinho e o Clezar, foi o João (Zwetsch) dizer que confiava mais no Rogerinho para uma partida longa, que parte te incomodou mais?
Eu acho que… No seu próprio blog, você citou todos os pontos que ele (João) deu que o Rogerinho tinha. E você teoricamente rebateu o que eu tinha. Por exemplo: se ele quisesse realmente ganhar no físico da Espanha, não botaria em São Paulo nem em quadra coberta. Aí já não teria sol nem altura. Botaria aqui no Rio de Janeiro, num lugar quente, úmido e mais lento. Ali eu acho que ele já se confundiu. Mas contra o Rogerinho e o Clezar eu não tenho nada. Os jogadores não têm nada a ver, mas eu acho que… Eu fiquei triste, cara. Estava em um momento que quase ganhei do Dominic Thiem uma semana antes. O moleque está aí como trinta e pouco do ranking, ganhando de todo mundo. Vinha super motivado, estava super confiante para jogar em São Paulo ainda, um lugar que eu adoro. Adoro jogar em São Paulo. Enfim, eu fiquei triste, cara. Como eu falei antes, até hoje a gente não sabe da onde ele tirou que eu não tenho preparo para jogar cinco sets….

(interrompendo) O João não te procurou depois do confronto?
Não. Nem antes nem depois. O Pardal (Ricardo Acioly, técnico de Feijão) que teve que ir atrás dele. Todo ano ele espera até o US Open para fazer a convocação, então a gente tem que esperar a vontade dele até o US Open. Depois, uma semana, já tem a Davis. E o Pardal que teve que ir atrás dele porque, até ali, a gente estava teoricamente achando que eu ia jogar. Pelo ranking, pelos resultados e pelo momento. Em termos de pontos e resultados este ano, eu tenho 60, 70 a menos que o Thomaz. Que o Thomaz! Este ano, eu tenho 85% de chance de terminar no top 100 se perder cinco primeiras rodadas seguidas. Se eu fizer zero ponto, eu termino no top 100, praticamente. Não tem muito o que comparar com o Rogério e com o Clezar. O Clezar machucou, o Rogerinho não tem jogado muito porque também machucou, foi pai agora, faz três dias. Outro ponto dele (Zwetsch) foi que o Rogerinho tem mais experiência do que eu. Ele jogou acho que duas ou três Copas Davis… Ele usou o jogo contra Pospisil para dizer que o Rogerinho ganhou no preparo físico… Eu achei que ele poderia me dar um crédito. Experiência eu não vou ganhar nunca se não jogar. Até mesmo pela idade. Eu tenho quatro anos a menos que o Rogério.

SONY DSC

(interrompendo) O João não ficou magoado porque lá atrás (em 2010), em Montevidéu, você iria estrear no domingo, mas tinha um Challenger para jogar e não ficou até o fim do confronto?
Eu já ouvi tanta coisa… Isso foi um acerto que a gente fez. Aquele duelo, por exemplo, era contra o Martín Cuevas e o (Marcel) Felder. Teoricamente, a gente iria passar o carro. O Thomaz ganhou, o Rogerinho ganhou, dois a zero. Eu estava escalado para jogar dupla com o Bruno. Não joguei. Iria ser minha estreia em Copa Davis. Eu não entendi até hoje como que ele me tirou da dupla contra o Martín e o Felder. Teoricamente, a gente não ia perder. Ele me tirou. Já fiquei muito, muito bravo. Triste, chateado. Não é possível. Como que eu não vou jogar um confronto com 2 a 0 no Uruguai, e caso a gente perdesse ainda tinha as duas simples para jogar no dia seguinte. Eu falei "João, já que você não vai me botar para jogar a dupla, eu preciso ir porque eu vou para Bogotá". Era um torneio de US$ 125 mil, um lugar que eu precisava chegar antes, e eles iriam me colocar para jogar na terça-feira. Eu tentei pegar o voo no sábado para chegar à noite, treinar no domingo e jogar na segunda. E não fazia mais diferença eu jogar no confronto. E eu tenho certeza que não foi por causa disso. Tanto é que em nenhum momento ele citou que foi por causa daquela Davis passada. Era um confronto que estava ganho. Foi como eu te falei agora: como eu vou ter experiência se não jogo? Se eu não sinto, ali, como é… Tive que jogar contra a Colômbia porque estava quase nessa situação. Era um lugar que eu gostava de jogar, o Thiago (Alves) estava um pouco atrás de mim, eu tive que jogar contra a Colômbia. E o Thomaz salvou! Mas acho que não, tanto que ele nunca citou essa Davis contra o Uruguai. Se ele tivesse ficado chateado, teria que falar comigo. Acho que as coisas têm que ser mais limpas. Eu sou um cara muito aberto, gosto de falar as coisas na cara. Não fico escondendo. Às vezes eu sinto que escondem coisas. Não sei quem, mas acabam meio que sempre deixando as coisas no ar. Até hoje ele não me buscou depois da Davis. Mas como a semana seguinte eu acabei jogando com o Clezar, acho que isso….

(interrompendo de novo!) Eu iria chegar nesse ponto… A sua comemoração naquele jogo não foi normal de uma vitória de quartas de Challenger. Tinha coisa engasgada ali, né?
Tinha. Não contra o Clezar, porque a gente se dá bem, mas foi logo três, quatro dias depois da convocação. Ele chamou o Clezar e, na minha cabeça, era o Clezar que iria jogar. Acho que até acontecer esse jogo. Foi uma desculpa para ele não ter botado o Clezar. Por isso que ele acabou optando pelo Rogerinho. Durante o US Open, a gente, eu e o Pardal, ficou ouvindo "joga o Clezar, joga o Rogerinho". Esse jogo foi meio a decisão para o Clezar não jogar, porque ele (Zwetsch) iria colocar o dele muito na reta. E eu estava muito engasgado. Eu entrei tenso, mas ele acabou entrando um pouquinho mais tenso que eu. Não foi um grande jogo. Foram bastantes erros não forçados dos dois lados, mas eu estava me sentindo bem. Estava com um "extra" nas costas, super motivado para ganhar o jogo. Aquele grito que eu dei, eu vi depois, nem tinha percebido na hora, mas foi um descarrego.

Passou a Davis e você continuou jogando bem. A não convocação não te deixou para baixo, embora fosse normal se tivesse acontecido…
(interrompendo) Acho que poderia ter acontecido, mas eu resolvi passar a borracha. E também não foi uma coisa de outro mundo. Se eles não me querem na Davis, ou agora ou depois, não vai mudar minha carreira, entendeu? Davis é legal, todo mundo tem esse objetivo, que nem a seleção brasileira de futebol, mas se eles não quiserem me botar, não posso ficar me remoendo. Se eles não quiserem, não posso fazer nada. Vou seguir minha vida, minha carreira. Tenho mais alguns bons anos de circuito, estou me encontrando cada vez mais, jogando cada vez melhor, ficando cada vez mais forte, e uma Copa Davis não vou deixar me derrubar, entendeu? Por causa de uma convocação aqui e ali…

SONY DSC

Você falou algumas vezes do psicólogo que viajou com você. O quanto ele fez parte desse momento?
Ah, ele me ajuda muito. Nessa coisa da Davis, a gente pensava muito em "meu, apaga e vamos jogar o dia seguinte". Tem até outra coisa. A semana seguinte à da Davis foi em Quito. Eu não sei se eu chegaria tão bem depois de uma Copa Davis. Por exemplo, o Zeballos estava lá. Ele veio de Copa Davis contra Israel e na semana seguinte, em Pereira, estava com cãibra. Depois tomou segunda rodada em Cáli. Ele falou "tô esgotado, Copa Davis te desgasta muito." Estou viajando com o Andrés Schneiter, o Gringo, desde Medellín. Ele falou "achei lindo você não ter ido porque tenho certeza que você não ficaria tão inteiro como ficou." Você perde a semana anterior, a semana da Davis e a semana após porque te desgasta muito. Depois do confronto com a Colômbia, que eu joguei no domingo, fui jogar em Houston e estava com cãibra num jogo de dois sets com o Kevin Anderson. Desgasta muito. Se não foi dessa vez, para mim fez um bem danado para a minha carreira e para os torneios.

Sua ideia para o ano que vem já é montar um calendário já pensando em ATPs e Australian Open? Não sei se incluiria o Challenger de São Paulo porque você é campeão lá…
Eu não tenho nada para defender. Só São Paulo. Esse ano vai ter o ATP de Quito, um bom lugar, onde eu gosto muito de jogar, e não é qualquer um que sabe jogar em Quito, Bogotá, esses lugares de altura. Não tem muito o que mudar, na verdade, mas se o Aberto de São Paulo tiver a mesma premiação, com US$ 100 mil, talvez eu jogue São Paulo. Na Austrália eu vou estar garantido. Muito difícil eu ficar fora da chave. Também não me vejo jogando um quali antes lá porque entre jogar um quali e um de US$ 125 mil, eu não trocaria. Mas como não saiu o calendário, não tem como a gente saber. A princípio, meu objetivo é entrar nessas chaves dos ATPs da América do Sul e, depois, Indian Wells e Miami. Aí, sim, vai depender muito do começo do ano. A princípio, até Miami quero estar com o ranking por volta de 70, 75, para conseguir jogar só chave principal. Seria um belo começo de ano. Aí tem que ir encaixando conforme os resultados.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.