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Saque e Voleio

A final que ninguém esperava

Alexandre Cossenza

07/09/2014 11h22

Nem as casas de apostas ofereciam essa opção. Consultado pelo "Courier Mail", o TAB, principal site de apostas australiano, informou que pagaria 5.000 para cada dólar apostado em uma final entre Kei Nishikori e Marin Cilic no US Open. O japonês vinha de uma lesão no pé e correu até o risco de não estar no torneio nova-iorquino. O croata estava em uma chave na qual potencialmente precisaria derrotar cabeças de chave como Kevin Anderson, David Ferrer, Tomas Berdych e Roger Federer para chegar à segunda-feira decisiva. Não era lá muito provável, especialmente dado o retrospecto de cinco derrotas em cinco jogos diante do suíço. No entanto, aconteceu. Quem for ao Estádio Arthur Ashe nesta segunda, não vai ver nem Novak Djokovic nem Roger Federer. Mas como isso aconteceu?

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Nishikori d. Djokovic – 6/4, 1/6, 7/6(4), 6/3

O japonês agredindo, o sérvio apostando na consistência. Analisando após a partida, a impressão que fica é que o número 1 do mundo contava com uma queda de rendimento do adversário. Nishikori não aguentaria jogar no nível do primeiro set por mais duas parciais. Ou aguentaria? A verdade é que nem precisou tanto.

Tudo parecia ter voltado ao normal quando Djokovic venceu o segundo set por 6/1 e teve quatro chances de quebra logo no terceiro game do terceiro set. Não quebrou, mas parecia melhor em quadra. Até que fez um oitavo game péssimo e cedeu a quebra. Nishikori devolveu a cortesia e se quebrou praticamente sozinho. Veio, então, o tie-break. Com ele, seis erros não forçados do sérvio. O japonês, se não foi espetacular, teve a competência de fechar.

E aí é que entra o grande mistério da partida. Nishikori liderava, mas não era senhor do jogo. Djokovic, até então, não tinha promovido nenhuma grande variação tática. Tentou, sim, agredir mais, mas não encontrou consistência suficiente. Ainda assim, a partida era parelha. Só que outro game ruim – logo o primeiro do quarto set – derrubou os ânimos do número 1 do mundo.

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A partir dali, Nole foi presa fácil. Mentalmente, o sérvio que ficou em quadra até o fim esteve longe daquele que o mundo se acostumou a ver batalhando por quatro, cinco horas contra Nadal e Murray. Mais longe ainda daquele que, nesse mesmo Estádio Arthur Ashe, salvou dois match points e virou jogos contra Roger Federer em duas semifinais consecutivas.

Nishikori, que não tinha nada a ver com isso, seguiu distribuindo suas pancadas. Não abriu as portas, não sentiu a pressão. E surpreendeu muita gente (eu inclusive) ao resistir fisicamente. Quase não foi a Nova York por causa de um cisto no pé direito. No início de agosto, passou por uma operação (daquelas simples, que os médicos preferem chamar de "procedimento") e ficou fora de Cincinnati. Uma vez no torneio, passou por dois jogos de cinco sets e aguentou um dia de calor e umidade contra Djokovic. Não dá para querer muito mais do que isso.

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Cilic d. Federer – 6/3, 6/4, 6/4

Um daqueles jogos que derrubam um dos clichês mais bobos do tênis. Sempre que um atleta ganha um jogo apertado, aparece alguém para dizer o velho "ganhou moral, vai ser difícil segurar agora." Bobagem. E Grand Slam é assim. A margem para erro não é muito grande. Não dá para fazer dois jogos ruins em sequência e acreditar que sempre vai haver uma saída.

A diferença é que aqui o jogo ruim de Roger Federer teve muito a ver com o adversário. Marin Cilic jogou, em suas palavras, o melhor tênis da vida. Bomba atrás de bomba no saque, pancada atrás de pancada do fundo de quadra, o croata
dominou o suíço do começo ao fim. O ex-número 1 nunca conseguiu equilibrar o jogo do fundo de quadra e, com a profundidade das bolas de Cilic, esteve quase proibido de ultrapassar a linha de base. Logo, teve pouco sucesso nas subidas à rede. Na maioria das vezes que tentou, o croata teve tempo de preparar a passada e executá-la bem. Slices? Foram poucos e não funcionaram.

Federer não desistiu. De novo, brigou. A cada rali que vencia, gritava, comemorava, olhava para o outro lado da rede. Um ou dois pontos depois, porém, um ace de Cilic ou um backhand na paralela abafavam qualquer esboço de reação. O suíço teve uma chance, que foi a quebra no segundo game do terceiro set. Só que o ex-número 1 não teve tempo para respirar. O croata devolveu logo em seguida, empatou o placar e voltou a jogar o tênis fantástico dos sets anteriores.

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Parecia questão de tempo para que Cilic conseguisse uma última quebra, e foi o que aconteceu. No sétimo game, o primeiro serviço de Federer desapareceu, e o croata aproveitou. O azarão ainda desperdiçou um break point, jogando para fora uma devolução de segundo saque. Sem problema. No ponto seguinte, disparou um winner no primeiro serviço do suíço. A quebra veio.

É o melhor resultado da carreira de um tenista que não esteve no torneio no ano anterior por causa de um gancho por doping. Um daqueles casos bobos. Cilic tomou uns comprimidos de glicose que continham niquetamida, uma substância proibida. Ficou quatro meses sem disputar torneios, voltou em dezembro de 2013 e hoje, menos de um ano depois, com Goran Ivanisevic em seu box, teve a chance de sacar para eliminar o poderoso Roger Federer no US Open. Pois nem piscou. Abriu o game com três aces e, pouco depois, estava com os braços esticados para o alto e sorriso de finalista no rosto.

Coisas que eu acho que acho:

– Estatúpida do torneio: Roger Federer terminou o US Open sem vencer um set sequer sob luz natural. Perdeu um para Granollers e três para Cilic.

– Estatúpida MASTER do torneio, cortesia da Infostrada: Cilic é o segundo palíndromo a palíndromo uma final de Grand Slam. A primeira foi Seles. Palídromo é uma palavra, número ou frase que se lê da mesma forma da esquerda para a direita ou ao contrário.

– Rafael Matos e João Menezes perderam a final juvenil de duplas para o australiano Omar Jasika e o japonês Naoki Nakagawa: 6/3 e 7/6(6). Alguns leitores me cobraram posts sobre os dois brasileiros finalistas. Não escrevi por dois motivos: 1) Não vi os jogos, não posso descrever as partidas e muito menos comentá-las; 2) É ótimo que dois garotos tenham a chance de disputar uma decisão de Grand Slam como juvenis, mesmo que seja em duplas. Não vejo, porém, por que badalar o fato. A não ser, claro, que estivéssemos produzindo duplistas desde o juvenil, o que não é o caso. Dito isto, os dois estão de parabéns pela campanha.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.