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Saque e Voleio

Além de tudo, um brigador

Alexandre Cossenza

05/09/2014 09h47

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Foram dois sets nervosos, abaixo do esperado. Roger Federer esteve bem abaixo de seu nível habitual. Errático do fundo de quadra, o suíço subiu muito à rede contra Gael Monfils. Teve mais sucesso ali na frente, é verdade, mas não o suficiente para chacoalhar o excelente tênis jogado pelo adversário nos dois primeiros sets. O número 24 do mundo, que ainda não havia perdido uma parcial sequer no US Open, saiu na frente e abriu vantagem: 2 sets a 0.

Era, obviamente, um jogo atípico para o ex-número 1, e não só pelo placar. Federer parecia confuso com seu plano de jogo. Subiu mal à rede em um punhado de ocasiões e também deu pontos de graça do fundo. Reclamou, esbravejou, gritou de raiva de alegria. Talvez vendo escapar uma rara chance (com uma chave fácil) hoje em dia de vencer um Grand Slam, perdeu a paciência. Deu até uma rara raquetada na rede quando levou uma de uma dúzia de passadas que Monfils encaixou.

Só que Federer não desistiu. A quebra no primeiro game do terceiro set era o que o suíço – e todo grande campeão – mais precisava. Era aquela faísca no fundo da lareira. Quando fechou a parcial, o suíço já era o melhor tenista em quadra. Errava menos e via o francês iniciar seu processo de "aboborização" (calma, eu chego lá). Monfils já não encaixava tantos saques precisos, já não tinha a confiança de antes do fundo de quadra. Uma interrogação surgia para todos lá no Ashe.

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Foi aí que veio o momento mais curioso do jogo. Federer saiu na frente no quarto set, mas não aproveitou. Monfils quebrou de volta rapidinho. O francês já não se movimentava com antes e, vez por outra, dava aquela abaixada para amarrar o cadarço – que, todo mundo sabe, é para tentar disfarçar um alongamento. Monfils confirmou três games seguidos que foram a "iguais", enquanto o suíço cedeu um solitário pontinho nos dois games que sacou durante esse intervalo.

No 4/5, o vacilo. Dois erros não forçados de Federer deram a Monfils dois match points. O improvável acontecia. E a sequência foi incrível, memorável.

– 15/40: Federer saca aberto e sobe à rede. Com Monfils deslocado, foge da esquerda, faz um swing volley que não tem ângulo o suficiente para matar o ponto. O francês alcança e faz a passada. A bola sai alta e quica a uns 30 centímetros da linha de base. Todos voltam a respirar.
– 30/40: Monfils defende bem o serviço e entra num rali. Mais cauteloso do que de costume (e do que deveria), joga uma direita cruzada que fica curta. Federer dá dois passos para dentro da quadra e solta uma forehand indefensável na paralela.

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O árbitro cantou "deuce" (iguais), mas na cabeça e nas pernas cansadas de Monfils, as palavras provavelmente soaram como "game, set, match, Federer". A magia do francês acabou. Sua carruagem já era uma abóbora outra vez, estacionada à porta do vestiário. O suíço confirmou, quebrou, confirmou e fechou o quarto set. O quinto foi uma formalidade. O francês já não dobrava os joelhos como deveria e arrancava rumo aos ataques de Federer com meio segundo (uma eternidade para os padrões do tênis) de atraso. Assim, por 4/6, 3/6, 6/4, 7/5 e 6/2, o ex-número 1 do mundo "roubou" de Monfils um lugar nas semifinais do US Open.

Méritos técnicos? Claro que eles existiram, mas não foram suficientes. Não ontem. Faltou tênis às vezes? Federer compensou com briga. Não é luta, não é o velho "tentar até o fim". É briga mesmo. O Federer de ontem não era o trintão de faixa impecavelmente colocada na cabeça, gola dobrada e tênis assinado por Michael Jordan. Era um moleque descalço, sem luvas, chamando o valentão do bairro para trocar socos na lama até que só um levantasse.

Federer foi, além e acima de tudo, um brigador.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.