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Saque e Voleio

O salto de Nick Kyrgios

Alexandre Cossenza

26/08/2014 06h30

No começo do ano passado, ele tinha 17 e disputava a final do Australian Open juvenil. Nick Kyrgios foi lá e derrotou o compatriota australiano Thanasi Kokkinakis. Até aí, tudo bem. Há muito a se percorrer de um título de Slam juvenil até uma carreira de sucesso como profissional – Tiago Fernandes está aí para nos lembrar disso. O jovem nascido em Canberra, contudo, já fez um belo 2013 e terminou a temporada entre os 200 melhores tenistas do mundo. Aí veio 2014, e Kyrgios iniciou seu salto. Salto que não acabou.

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O começo de ano foi até modesto, vencendo uma rodadinha no Australian Open (o que já é muito para um garotão de 18) e participando de alguns Challengers. Até que veio Wimbledon. Na segunda rodada, venceu um jogão de cinco sets contra Richard Gasquet. Nas oitavas, protagonizou a grande zebra do torneio: eliminou Rafael Nadal, com direito a um ponto fantástico vencido com um golpe por baixo das pernas. Só parou nas quartas, quando deu trabalho, mas sucumbiu diante de Milos Raonic.

Kyrgios também venceu um jogo no Masters de Cincinnati e, agora com 19 anos, chegou a Nova York como número 60 do ranking. A estreia não poderia ser muito mais animadora: vitória em quatro sets sobre Mikhail Youzhny (7/5, 7/6, 2/6 e 7/6) em condições nada fáceis. Calor, longos ralis e um adversário experiente. O australiano precisou de cada golpe de seu catálogo (que não é fino): ótimos saques, devoluções vencedoras, subidas à rede, paralelas violentas do fundo de quadra… Resumindo, o rapaz foi eficiente em todos quesitos.

Todos mesmo. Kyrgios precisou de muito autocontrole para evitar um desastre. Depois de vencer os dois primeiros sets, caiu de ritmo no terceiro e, para piorar, foi punido até com a perda de um game. Depois de receber uma advertência por "abuso de bola" (atirou a amarelinha para fora da quadra) no segundo set e uma punição com a perda de um ponto na terceira parcial, um palavrão foi a terceira infração do australiano. A punição foi a perda de um game (no fim das contas, nem fez tanta diferença, já que o placar do game era 40/30). Outra violação, e Kyrgios seria desclassificado do torneio.

O ponto é que o garotão segurou a onda, conseguiu uma quebra quando Youzhny sacava para o quarto set, e brilhou no tie-break. A recompensa foi uma merecida vaga na segunda rodada do US Open, acompanhada, claro, por uma dose extra de confiança.

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Em um circuito cada dia mais exigente fisicamente, é interessante ver um adolescente indo bem e vencendo partidas longas em Grand Slams. No caso de Kyrgios, está longe de parecer fruto do acaso. O garoto tem um jogo completo e faz bom uso dele. Tem um saque excelente (destruiu Nadal em Wimbledon e fez 26 aces contra Youzhny), sabe o que fazer na rede e tem ótima consistência com bolas profundas do fundo de quadra. Mais do que isso: Kyrgios tem a capacidade de alterar a velocidade de seus golpes e, do nada, disparar uma pancada vencedora na paralela. É uma rara qualidade. Nenhum tenista fica à vontade contra um adversário que joga assim.

Entre os 100 primeiros do ranking, Kyrgios é o único adolescente. E não parece exagero afirmar que é ele o mais talentoso de sua geração. E há um grupo de até 21 anos com muito potencial. Desde o austríaco Dominic Thiem até o problemático australiano Bernard Tomic e seus compatriotas Kokkinakis e Luke Saville. Estão no bolo também o alemão Alexander Zverev e o tcheco Jiri Vesely, que deu certo trabalho para Stan Wawrinka nesta segunda em Flushing Meadows.

Até onde Kyrgios é capaz de chegar? É discussão para papo de bar depois daquela duplinha com os amigos. Tênis é um dos esportes mais cheios de incertezas. Alguns jovens perdem o foco no caminho. Outros descobrem que não têm dentro de si a dedicação necessária para mantê-los entre os melhores do mundo. Uns se lesionam. Há também quem se deslumbre com a fama precoce e o dinheiro. Por isso, é tão difícil prever quem tirará o máximo de seu talento. Quando o assunto são atletas jovens, só dá mesmo para afirmar com todas as letras quem tem tênis. E Kyrgios tem de sobra.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.