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Saque e Voleio

Ventos nórdicos empurram o carioca Lindell

Alexandre Cossenza

05/08/2014 10h02

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Quase um ano atrás, no dia 26 de agosto, Christian Lindell aparecia na 762ª posição no ranking da ATP. O tenista sueco, nascido no Rio de Janeiro 22 anos atrás, ocupava seu pior posto desde agosto de 2010. Quatro anos atrás, então aos 19, Lindell surpreendeu o Brasil ao alcançar as semifinais de um Challenger de São Paulo. O adolescente chegou a vencer um set contra Thomaz Bellucci naquele torneio e, pouco depois, entrou no grupo dos 300 melhores do mundo.

Muita coisa aconteceu desde aquele torneio. Lindell, que sempre treinou no Rio de Janeiro, foi procurado pela CBT, que prometeu inseri-lo no (já falecido) projeto olímpico. O carioca topou defender o Brasil no circuito mundial, mas a relação com a Confederação desandou rápido. Em três meses, Lindell voltava a jogar com a sigla SWE ao lado de seu nome. "Eles prometem pouco, mas cumprem o acordo", me disse o tenista na época, falando sobre a relação com a federação sueco.

No fim do ano passado, entretanto, a maré começou a mudar para Christian Lindell. E tudo se encaixou nos últimos três meses, período em que o carioca passou fora do país. Em 90 dias, ganhou quatro títulos de torneios da série Future, venceu um jogo em um torneio ATP, esteve a um tie-break de alcançar as quartas em Bastad (perdeu Pablo Cuevas, campeão do torneio) e, agora, nesta segunda-feira, alcançou o melhor ranking de sua carreira, o 285º posto.

Aproveitando a data, encontrei Lindell no Clube Marapendi, onde ele treina com a equipe comandada por Ricardo Acioly, e batemos um papo sobre uma porção de coisas. O carioca explicou como começou a "virada" em sua carreira, falou do importante apoio que recebe da federação sueca e mostrou o quanto está ansioso para defender o país pela Copa Davis. Na conversa, Lindell fala também de quanto amadureceu nos últimos três anos e diz saber o nível de esforço necessário para dar o próximo passo no circuito e entrar no grupo de tenistas que disputam os qualifyings dos Grand Slams. Alguns trechos estão no vídeo abaixo. A íntegra da entrevista vem logo em seguida. Leiam!

Em agosto do ano passado, seu ranking caiu para 762, que foi também o seu pior desde que você se destacou naquele Challenger em São Paulo, no fim de 2010. Agora, praticamente um ano depois, você é 285, melhor ranking da carreira. O que mudou ou o que passou a dar certo?
Na verdade, eu não sabia que tinha sido tão baixo o ranking. Eu lembro que teve uma época, até depois desse 762, eu estava jogando uns torneios no Brasil, e houve uns cinco torneios seguidos em que eu perdi na primeira ou na segunda rodada. Primeira e segunda rodada. Eu estava muito mal nessa época. Sem confiança, mal de cabeça, com dúvidas assim e… tipo… Não estava tão ruim de jogo, mas não estava conseguindo ganhar os jogos. Eu lembro que eu perdi em Itajubá na segunda rodada e eu ia ter duas semanas antes de jogar os últimos quatro torneios do ano, que foram Foz do Iguaçu, Porto Alegre, Santa Maria e Cascavel. Eu lembro que nessas duas semanas eu estava voltando dirigindo de Itajubá. São sete horas dirigindo, voltei o mesmo dia que eu perdi o jogo. Estava muito zangado, pensando o que estava acontecendo e que podia ser feito diferente. Aí eu comecei a fazer umas coisas diferentes. Comecei a fazer umas coisas extras fisicamente. Eu lembro que antes de começar a rotina de treino normal, que era 8h30min, eu, acordava e antes de tomar café, corria, ia para a academia do meu prédio mesmo fazer uns exercícios… Nessas duas semanas, eu quis fazer essa loucura para testar. Eu sei que duas semanas fazendo isso não vai fazer diferença nenhuma fisicamente, né? Mas me fortaleceu muito mentalmente eu ver que estava realmente querendo mudar alguma coisa. Eu estava querendo fazer alguma coisa diferente para os resultados começarem a aparecer.

E funcionou?
Foram duas semanas extremamente duras, e eu fui para o próximo torneio, em Foz do Iguaçu, com a cabeça diferente, mais confiante. Não que eu estava, mas na minha cabeça eu estava mais forte fisicamente por eu ter feito essas coisas extras, essas "loucuras". Perdi na segunda rodada em Foz do Iguaçu, na primeira em Porto Alegre e continuei treinando, continuei sem me importar. Na semana seguinte, encaixou meu jogo. Joguei muito bem em Santa Maria. Foi com certeza a melhor semana do ano até então. Até a final, eu dei ou 6/0 ou 6/1 em um dos sets. Jogando muito bem. Na final, acabei perdendo para o Zé (Pereira), mas era um Future de US$ 15 mil, então já me deu 15 pontos, já fui para 550 de novo. Falei "Ótimo, já estou confiante". Fui para a última semana do ano, ganhei. Terminei o ano ganhando um torneio e jogando muito bem também. Coincidência ou não, eu comecei a dar a volta por cima ali. Tirei férias e fiz a pré-temporada com uma cabeça totalmente diferente, com muita motivação, muito feliz de ter terminado o ano com duas semanas assim. Isso me fez treinar muito bem na pré-temporada. Comecei o ano muito confiante, sabendo que iria ser um bom ano.

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Entramos em 2014 agora…
Fui para os Estados Unidos, joguei bem. Não tive nada excepcional, mas fiz uma semi, fiz umas quartas. Eu iria jogar mais uma gira de três, quatro semanas de Futures no Chile e acabei ficando com febre, o que me atrapalhou um pouco. Joguei os Challengers do Brasil e joguei bem. Bati na trave. Perdi na última do quali com Schwank e estava jogando num nível bom, motivado. Quando eu fui para a Europa, fui sabendo que iria ser uma baita gira. E foi. Desde ali, mais ou menos uns nove, dez meses atrás, que comecei a dar uma volta por cima.

Você foi com a cabeça assim, pensando "vou ganhar"?
Não. Eu fui confiante, mas eu nunca podia esperar que eu teria os resultados que tive. Primeiro que eu tinha ganhado, até então, três torneios na minha vida. Um em 2010, um em 2012 e um em 2013. Não é toda hora que eu vou ganhar um torneio, mas eu cheguei lá confiante, acreditando que eu podia ser campeão, mas não achando que eu ia ganhar. Fui jogo por jogo, e as coisas deram certo para mim.

O wild card para o ATP de Bastad já estava definido antes ou veio por causa dos resultados?
Não. Inclusive antes de viajar… (interrompendo) … Eu ganhei wild card lá três vezes. Em 2010, 2011 e 2012. Então antes de viajar, eu tinha certeza que não iria ganhar. Até cometei com meu pai, a gente brincando, que para eu ganhar wild card de novo eu ia precisar ganhar dez torneios. Eu já ganhei três vezes, eles não iriam querer dar de novo para mim, né? E mesmo quando eu ganhei os dois torneios (Kariskrona e Bastad, ambos na Suécia), tinha certeza que não iriam dar pra mim também. Primeiro porque tinha um para o Elias Ymer (atual número 1 da Suécia), que já estava garantido; um wild card eles sempre guardam para a última hora, para um cara bom; e o terceiro eu imaginava que iria ser para o Markus Eriksson, que vinha jogando a Davis, ou para o (Patrik) Rosenholm, que tinha ganhado dois Futures seguidos umas semanas antes. Lembro que a gente chegou para treinar uma semana antes – os dez jogadores com o capitão da Davis e o presidente da federação. No primeiro dia, ele falou "um wild card é do Elias Ymer, como vocês já sabem, e o outro vai ser para o Christian". Tipo assim, eu não podia nunca esperar. E quando ele me deu, foi uma mistura de sensações porque eu fiquei tenso e ao mesmo tempo muito feliz. Eu não queria de jeito nenhum pegar um wild card de novo e perder na primeira rodada, assim, sabe?. Agora que já passou eu posso falar: estava com medo de perder de novo na primeira rodada. Quatro vezes receber um convite e não ganhar… Então eu treinei muito bem essa semana, fazendo tudo certo, jogando bem, e graças a deus deu certo.

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Você ganhou uma rodada de ATP e perdeu do Cuevas no tie-break do terceiro set. Explica o que aconteceu nessa partida? Porque o Cuevas ganhou aquele jogo, foi campeão em Bastad, furou o quali em Umag e foi campeão lá também. E você ganhou dez jogos e ainda não perdeu depois daquele dia…
É verdade, ele ganhou Umag depois, né?

É!
Então… Eu confesso que não acho que joguei tão bem esse dia. Estava um vento impressionante. Nem ele jogou tão bem como obviamente jogou depois. Eu saquei muito bem, fui me virando nos games de saque e tive minhas chances. No primeiro set, eu ganhei por 6/4. No segundo, seu saí um pouco de jogo. No primeiro game, que era muito importante, eu fiz três cagadas. Errei três bolas muito fáceis. No terceiro set, estava 4/2 pra ele, eu virei pra 5/4, aí não tive chance. Esses dois games – 5/4 e 6/5, a um game da vitória – eu não tive muita chance, na verdade. Ele sacou bem. E o tie-break eu joguei mal. Para ser sincero, eu estava bastante cansado fisicamente. O jogo do dia anterior foi 6/2 e 6/3, mas me cansou muito fisicamente e mentalmente. Foi muita coisa que passou pela minha cabeça. Eu estava cansado nesse dia do Cuevas, mas foi um jogo bom. Assim… Quase ganhei, quase fiz quartas, então… Depois, eu ganhei dos torneios (Tallinn, na Estônia, e Aarhus, na Dinamarca) e ele também ganhou esse (Bastad) e outro (Umag). Deu sorte para os dois (risos).

Tem algo em comum entre o momento de hoje e aquele de 2010/2011, quando você também entrou entre os 300?
É outra coisa. Eu sinto como se estivesse pela primeira esse ranking. Três anos atrás eu… Eu tinha um pensamento que "treinando do jeito que eu estou, vou conseguir subir de ranking", entendeu? "Vai ser que nem foi nos Futures. Uma hora eu vou ganhar Challenger". Não que eu pensava assim, mas hoje, três anos depois, eu vejo que para subir de nível, vou ter que fazer outras "loucuras", outras coisas a mais. Para subir agora, não dá mais para jogar Future. Tem que ter esses resultados em nível Challenger, né? Eu já passei por isso e sei que é trabalhar o dobro, triplo, agora. E com outra cabeça, 22 anos em vez de 19, então estou mais experiente. Eu me vejo muito mais preparado para estar nesse ranking, para jogar esse tipo de torneio que eu vou jogar.

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Quando se fala da idade, um tenista de 22, para mim, ainda é muito jovem. Só que foram três anos de expectativas que não vingaram, de uma confusão com CBT e idas e vindas. O que se tira desses três anos com sua cabeça de hoje?
Foi muita coisa fora de quadra que juntou e acabava atrapalhando. Eu, hoje, tenho as coisas muito certas na minha cabeça. Eu treino aqui, eu moro aqui (no Rio de Janeiro). Eu vou para a Europa, tenho treinador tal. Eu defino calendário, então as coisas estão bem certas. Eu não tenho dúvida na minha cabeça fora da quadra. Treino com o Pardal, com os treinadores daqui, e quando estou na Europa estou com o Fidde (Fredrik Rosengren). Isso, com certeza, me ajuda, porque tenho essa tranquilidade fora de quadra. Além de experiência. Para eu subir de nível, vou ter que fazer alguma coisa a mais. Mantendo esse nível, não vou subir para 250, 200. Esse nível não basta. Lógico que posso encaixar uma boa semana em Challenger, mas para fazer isso diariamente tem que subir de nível, ficar mais forte fisicamente, tem que melhorar meu jogo também.

Durante essa viagem, que durou mais de três meses, quem te acompanhou?
O Fidde, que foi técnico do (Robin) Soderling, do (Mario) Ancic, do (Jonas) Bjorkman e agora vai fazer dois anos que ele é o capitão sueco da Copa Davis. Desses três meses que eu estava lá, ele me acompanhou dois meses e meio. Ele ficou comigo quando eu estava na Suécia, depois em todos os Challengers na Itália e, na sequência, nas duas semanas de Bastad. Ele só não ficou comigo nas duas últimas semanas (Estônia e Dinamarca), mas fiquei com ele o tempo todo. Agora, quando voltar para a Europa, vou estar com ele.

Nos três meses, você teve duas semanas de folga lá. Fez o quê?
Na verdade, eu cheguei e joguei três Futures na Suécia. Eu iria para a Itália jogar mais um Challenger, mas o Fidde pediu para eu não jogar de jeito nenhum. Eu tinha feito muitos jogos, e ele queria que eu treinasse três dias e já fosse para a Itália jogar um Challenger. Ele preferiu que eu treinasse antes. Eu só parei uma semana, que foi a semana que a gente treinou antes do ATP.

Foram quatro Challengers na Itália, e você só furou um qualifying. Não abalou a confiança?
Um pouco, mas ao mesmo tempo eu joguei bem. Na segunda semana, ganhei do Barrientos, que estava 310 (no ranking), na terceira semana eu furei o quali, e na quarta semana ganhei do Zverev e do cabeça 1 do quali, que estava 250. Por mais que eu estivesse perdendo nos qualis, toda semana eu joguei bem e ganhei de caras bons. A confiança estava ali. Eu sabia que estava jogando bem.

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Sua presença na Copa Davis está certa?
Não. A gente só vai saber dias antes, mas posso falar: eu acho que vou jogar. Eu estou muito motivado para treinar essas duas semanas, para chegar firme na Europa, então acredito que… Se antes de ganhar esses dois Futures e ganhar uma rodada da chave (no ATP de Bastad), eu já fui a segunda opção para ganhar wild card, imagino que na Davis seja igual. O Elias Ymer está garantido, 90%, e eu… Imagino que sim porque sou o segundo do ranking, ganhei dos outros dois concorrentes em jogo e ganhei mais torneios, então tudo indica que sim, né? Mas 100% não tem jeito. Ele só vai falar dias antes.

Nesse tempo todo, deu para ver Copa do Mundo?
Vi tudo. Todos os jogos do Brasil. Inclusive o dia que o Brasil perdeu de 7 a 1 foi o dia que eu ganhei o jogo de Bastad. Eu acordei e disse "hoje o dia vai ser animal. Vou acordar, vou ganhar e ver o jogo do Brasil". E iria ter o jantar dos jogadores ainda, então ganhei, estava feliz, liguei para ver o jogo. Cheguei depois de dez minutos, já estava 1 a 0. Sentei, dois. Virei para o lado, três. Fui no banheiro, quatro, cinco… Aí fui embora. Fui para o quarto e vi o resto lá.

E até o fim do ano, quais são os objetivos?
O que eu quero é classificar para a Austrália. Eu tenho isso como meta. Eu quero muito jogar um Grand Slam pela primeira vez na minha carreira já em janeiro. Estou 285, se somar mais uns 20, 30 pontos, fico ali em 240 (o suficiente para entrar no qualifying). Mas isso é só uma meta. Vou tentar ganhar o máximo possível e torcer para entrar na Austrália. Eu, entrando na Austrália, tenho boa chance de Roland Garros também, porque só começo a defender pontos agora na Europa (a partir do fim de abril). Mas a meta principal ainda é a Davis. Quero muito.

Qual é a lembrança que você tem de moleque de ver a Davis?
Ah, Copa Davis… Suécia eu vi várias vezes pessoalmente desde que eu tinha 15, 16 anos. Isso me deixa com muita vontade… (interrompendo) … Se bem que vou te falar: jogar a Davis pelo Brasil deve ser muito mais legal do que jogar pela Suécia porque o povo da Suécia é meio frio torcendo. Eu gosto de jogar com torcida, quero muito jogar, mesmo sendo fora de casa (a Suécia enfrenta a Romênia pelo Grupo I do Zonal Europa/África, uma espécie de segunda divisão). Davis não se joga para você. É pelo país, então é mais motivação ainda. É a meta para este ano.

— fim —

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.