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Saque e Voleio

Bravíssimo

Alexandre Cossenza

09/06/2014 06h00

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Bravura manifesta-se de um bocado de maneiras. É bravo aquele que inicia mal um embate e se recupera para triunfar. É também aquele que resiste a um grande esforço físico até o limite de suas energias, não importa o resultado. É quem que estuda um inimigo dotado de um arsenal mais poderoso até criar um minucioso plano para, mesmo em desvantagem, vencer a batalha. É aquele que se fere em combate e não vê a hora de voltar para retomar o território conquistado.

De 2005 a 2013, Rafael Nadal se encaixa em todos os conceitos acima. Venceu partidas duríssimas de virada, derrotou seguidas vezes um Roger Federer tecnicamente superior, superou lesões sérias e sempre voltou às quadras triunfante, esgotou-se por quase seis horas em uma final na qual saiu vencido e, por fim, desenvolveu golpes e um plano de jogo para derrotar o mesmo Novak Djokovic que lhe dominou um ano antes.

Não em 2014. Não, não. Em 2014, Rafa Nadal encontrou ainda outra maneira de extrair o máximo de sua capacidade como atleta. Na temporada em que obteve seus piores resultados na série de torneios que antecede Roland Garros, o espanhol não começou o torneio como favorito, mas venceu a corrida contra o tempo, calibrou seus golpes e encerrou a que considero como mais memorável de suas campanhas com outra vitória sobre Novak Djokovic. Rafa Nadal hoje é nove vezes campeão de Roland Garros. Bravo, Rafael Nadal. Bravíssimo.

Não que o mundo duvidasse de sua capacidade. Pelo contrário. Ninguém questiona o número 1 do mundo em Roland Garros. É no saibro. É melhor de cinco sets. Havia, no entanto, uma nuvem em formato de ponto de interrogação após derrotas inesperadas em Barcelona e Monte Carlo. Depois do revés diante de Novak Djokovic em Roma, com o sérvio jogando um belíssimo tênis, a pergunta se fazia inevitável: o espanhol seria capaz de virar a mesa em duas semanas? Não parecia provável, especialmente com uma lesão nas costas e saques nada intimidantes.

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Rafa Nadal, contudo, é um fora de série. Enquanto a maioria de seus colegas começaria um Grand Slam buscando respostas desesperadamente, o número 1 do mundo dizia que era bom ter dúvidas. E, pela nona vez em Roland Garros, o espanhol encontrou todas as respostas. Teve, claro, uma ajudinha da chave, que o colocou diante de Ginepri, Thiem, Mayer e Lajovic nas primeiras rodadas. Não precisou forçar o saque e, aos poucos, foi calibrando seus golpes, fazendo os ajustes finos que precisaria para enfrentar os rivais mais perigosos.

Perdeu o primeiro set de David Ferrer, mas encontrou-se rapidamente e tirou tudo de seu tênis. Cedeu apenas cinco games em três sets para o compatriota. Chegou à semifinal em rara forma e atropelou um atônito Andy Murray. Só restava o maior dos desafios do tênis atual: Novak Djokovic.

O sérvio, que assumiria a liderança no ranking com uma vitória neste domingo, fez uma primeira semana fantástica. Ainda que seus adversários "de nome" como Cilic, Tsonga e Raonic não fossem grandes ameaças no saibro, o número 2 do mundo foi quase impecável. Até que veio a semifinal contra Ernests Gulbis. A vitória veio tranquila, é verdade, mas é também inegável que o nível de tênis de Djokovic ficou abaixo do que ele apresentou até então. Até aí, tudo bem. Em uma partida tranquila, é aceitável uma certa queda momentânea de rendimento. Desde que seja justamente assim: momentânea. Não foi.

No domingo, a gangorra já havia mudado de lado. O sol também ajudou Rafa Nadal, fazendo que sua bola andasse mais e quicasse mais, ainda que o dia tenha sido bastante úmido. Aliás, a umidade também jogou a favor do número 1. Combinada com o calor, provocou condições de jogo extenuantes. Djokovic sentiu. no começo do terceiro set, o sérvio sentiu o físico. Nadal, que havia acabado de vencer a segunda parcial, aproveitou e disparou na frente. Não foi um set tão fácil quanto o 6/2 indicou, mas pouco importava. O número 1 do mundo abria 2 sets a 1 e reduzia a margem para erros do oponente. Jogar 2h37min contra Rafa Nadal em Roland Garros e, depois disso, precisar vencer dois sets, deve equivaler a uns 18 Trabalhos de Hércules. Djokovic certamente cansaria lá pelo 15º.

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O espanhol nem fez lá um grande primeiro set. Preocupou-se mais em alongar as trocas de bolas e usar muito top spin do que definir pontos. Poderia até ter dado certo. Nole saiu de um 15/30 com o placar em 3/3, quebrou em seguida e fechou em 6/4 mesmo fazendo um afobado décimo game, que incluiu um erro não forçado, uma curtinha ruim e um saque-e-voleio arriscadíssimo. Nadal jogou dois break points fora com forehands não forçados e pagou o preço.

Pela primeira vez, Djokovic saiu na frente de Nadal em Roland Garros. Foi aí que uma das muitas qualidades do espanhol se fez presente outra vez: a capacidade de entender o que acontece em quadra. Nadal sentiu que o jogo estava mais à mercê do oponente. Na coletiva após o jogo, afirmou que estava ganhando mais pontos em erros de Djokovic do que com seus próprios winners. Ao ataque, então. Deu certo. Lindamente. Os números finais comprovam, com uma estatística rara: Nadal executou mais bolas vencedoras: 44 a 43.

O título veio em quatro sets, mesmo após um daqueles instantes que parecem existir só para atestarem que Rafael Nadal é humano. Sacando em 4/2 no quarto set, cometeu uma dupla falta, errou um smash e mostrou-se vulnerável pela primeira vez em muito tempo. Djokovic devolveu a quebra, mas o número 1 foi superior quando mais precisou. Se na fantástica semifinal de 2013, Nadal perdeu a vantagem no quarto set e só foi triunfar por 9/7 no quinto, Nole não teve a mesma chance em 2014. Sacou em 4/5 e 30/0, mas perdeu quatro pontos seguidos. O último deles, uma dupla falta, concretizou o nono título de Rafael Nadal em Roland Garros.

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Sem ir na toalha (para ler em até 20 segundos):

– Com o título, Rafa Nadal manteve a liderança do ranking. Entretanto, Djokovic, semifinalista em 2013, diminuiu consideravelmente a diferença. Agora o espanhol tem apenas 170 pontos de frente. Vale lembrar, contudo, que Djokovic tem a defender 1.200 do vice em Wimbledon, onde Nadal foi eliminado na estreia no ano passado e, por isso, só tem a somar.

– Vale como curiosidade: Djokovic ultrapassou Federer em derrotas para Rafa Nadal em Roland Garros. Agora são seis reveses do sérvio (2006-08 e 2012-14) contra cinco do suíço (2005-08 e 2011).

– Os fãs de Federer têm todo direito de ficar com ciúme: após a final, Nadal afirmou que enfrentar Djokovic é o maior desafio de sua carreira.

– Quer números? Anote aí! Nadal agora soma dez participações e nove títulos em Roland Garros (2005-08 e 2010-14), foi o primeiro a vencer o Grand Slam francês cinco vezes seguidas (2010-14) e tem um histórico de 66 vitórias e só uma derrota no torneio. Em melhor de cinco sets no saibro, são 90 triunfos  e um solitário revés. Nadal também já soma 35 vitórias consecutivas em Roland Garros e 45 títulos no saibro. Ah, sim: são 14 títulos de Grand Slam (Australian Open em 2009, Wimbledon em 208 e 2010 e US Open em 2010 e 2013), mesmo número de Pete Sampras.

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Coisas que eu acho que acho:

– É a terceira vez que Novak Djokovic chega com ótimas chances de vencer Roland Garros. Em 2011, tombou diante de Roger Federer nas semifinais. Em 2013, fez uma semifinal duríssima mas saiu de quadra derrotado. Desta vez, depois de uma excelente primeira semana, deixou a desejar nos últimos dias. Vale ficar de olho para ver o quanto mais este revés vai machucar.

– Não sobrou tempo para produzir um texto sobre a ótima final feminina. Peço desculpas aos fãs de Maria Sharapova, que tecnicamente não fez lá um grande torneio, mas venceu do jeito que conseguiu. No conjunto da obra, foi uma excelente campanha da tenista russa que superou jogos complicados contra Sam Stosur, Garbiñe Muguruza e Simona Halep.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.