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Saque e Voleio

O peso de uma decisão

Alexandre Cossenza

29/05/2014 06h02

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Setembro de 2012. Então com 16 anos, Taylor Townsend ocupava o posto de número 1 do mundo no ranking juvenil. Já era campeã do Australian Open em simples e de Wimbledon em duplas. O talento era inquestionável. Naquele mês, a USTA (United States Tennis Association, a federação do país), que gere o desenvolvimento do tênis nos Estados Unidos, cortou a verba de apoio à moça. Townsend não teria mais dinheiro para viajar e disputar torneios enquanto não perdesse peso. E isso foi amplamente divulgado na época, com o diretor Patrick McEnroe dizendo publicamente que a preocupação com a saúde era a prioridade.

A USTA, aliás, pediu que a menina não disputasse o US Open juvenil daquele ano. Não fossem as economias da dona Shelia, Taylor não teria jogado no maior torneio de seu país – e um dos maiores do circuito mundial. Alguns eventos antes, a menina havia sentido cansaço nas partidas, e a federação julgou necessário centralizar o trabalho no preparo físico. Taylor dobrou seus horários de treino, mas logo descobriu que a fadiga era decorrente de um problema de saúde: uma deficiência de ferro que por pouco não exigiu uma transfusão de sangue. A USTA, no fim, acabou reembolsando a família pelos gastos durante aquele US Open juvenil.

A medida não adiantou muito. Publicamente, o estrago estava feito. Taylor foi exposta por ser mais gorda do que o padrão, e a USTA ficou com a imagem de vilã. A jovem continuou treinando em um dos CTs da entidade por um tempo. Diante dos jornalistas, ninguém criticava ninguém. Dos dois lados, as declarações davam conta de que família e USTA estavam trabalhando juntas. No segundo semestre do ano passado, contudo, a relação chegou ao fim.

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Taylor agora divide-se entre Chicago, onde trabalha com o técnico Kamau Murray, e Washington DC, onde é orientada pela ex-tenista Zina Garrison, que foi número 3 do mundo e vice-campeã de Wimbledon. Garrison, que também teve problemas com o peso em seus dias no circuito mundial, sabia bem sua tarefa.

"Estou acima do peso, mas sinto-me confortável do jeito que sou. As pessoas tendem a achar que você não sabe o que está fazendo por causa dos seus problemas. Executei um bom trabalho ao fazer Taylor entender que ela deveria se sentir confortável com quem ela é", disse Garrison ao Wall Street Journal, pouco depois de a jovem tenista vencer dois torneios nos Estados Unidos e conquistar um convite para a chave principal em Roland Garros.

Chegamos, enfim, a maio de 2014. Com 18 anos, Taylor Townsend disputa pela primeira vez a chave principal de um Grand Slam. Na estreia, derrota a compatriota Vania King por 7/5 1 6/1. Na coletiva, revela o quanto a publicidade de seu problema com a USTA a aproximou de pessoas que vivem problema parecido. "Aquilo me fez mais forte como pessoa, como tenista e no sentido de que saber o que eu passei ajudou outras pessoas", disse.

Dois dias depois, com torcida contra, Townsend mostrou tudo de seu arsenal e eliminou a francesa Alizé Cornet, cabeça de chave 20, por 6/4, 4/6 e 6/4. Foram curtinhas, bolas anguladas, slices, pauladas chapadas, tudo. A menina bate forte na bola, mas tem um jogo que lhe permite ganhar de várias maneiras. O talento, a "mão" que Townsend tem para jogar tênis, é algo raríssimo hoje em dia. Dá para notar um pouco só pelo vídeo acima, não?

E não foi um jogo fácil. Até poderia ter sido, mas os nervos entraram em quadra. Townsend abriu 6/4 e teve o saque em 4/1 na segunda parcial, mas deixou Cornet reagir e vencer cinco games seguidos para forçar o terceiro set. De novo, Townsend disparou na frente. Abriu 5/1, sacou e perdeu quatro match points no sétimo game. Só no décimo game é que veio a vitória. "Eu estava muito nervosa, mas fico feliz porque lidei bem com aquilo e saí com a vitória", disse no fim.

Até onde Townsend pode evoluir? O que o futuro reserva? "O céu é o limite", ela diz. Por enquanto, o presente foi um tuíte de Andy Murray, que viu trechos da partida contra Cornet e reconheceu o talento da americana.

Coisas que eu acho que acho:

– Por um lado, dá para entender a posição da USTA. Um pouco porque ninguém tem como objetivo desenvolver um atleta com um peso acima do ideal, o que sempre é um obstáculo extra a ser superado. Mas também entra na conta a questão da imagem da federação, que estaria, nos olhos do público, desperdiçando parte de sua verba (destinada a desenvolver a modalidade) em uma atleta sem conseguir que ela mantenha o peso padrão de um atleta.

– O parágrafo acima não é uma tentativa de defender a USTA, mas uma mera observação da situação por outro ângulo. Até porque é indefensável o fato de uma federação não conseguir enxergar que atletas não saem de linhas de produção. Há bons tenistas altos e baixos, leves e pesados. Se Daniela Hantuchova é uma tenista de sucesso, a aposentada Marion Bartoli também foi. E é bem possível afirmar que Taylor Townsend tem mais talento nato do que ambas.

– O sucesso de Taylor Townsend como profissional, que aconteceria cedo ou tarde – tamanho é seu talento -, é um tapa na cara de gente preconceituosa que compra produto pela embalagem.

– Importante explicar: a Federação Francesa de Tênis (FFT) tem uma parceria de intercâmbio de wild cards (convites) com a USTA e a Tennis Australia. Assim, a USTA tem direito a uma tenista convidada em Roland Garros. Em vez de nomear alguém, a federação americana coloca seu convite em jogo. Townsend foi lá, conquistou os títulos e ganhou o direito de ir a Paris.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.