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Saque e Voleio

Fracassa melhor

Alexandre Cossenza

26/01/2014 12h06

"Tenta. Fracassa. Não importa. Tenta outra vez.
Fracassa de novo. Fracassa melhor."

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A frase, tatuada no braço esquerdo do tenista suíço diz mais do que todas linhas deste post. Siga adiante ciente disto, caro leitor. Porque há pouco mais a dizer sobre o mais novo campeão de Grand Slam. A coroação de Stanislas Wawrinka, neste domingo, é nada mais do que uma celebração de fé, luta, persistência, uma dúzia de adjetivos que, como escrevi linhas acima, não reproduzem a relação entre a frase de Samuel Beckett e o título do Australian Open.

Contra Novak Djokovic, eram 14 derrotas seguidas, incluindo um traumatizante quinto set lá mesmo, em Melbourne, pouco mais de um ano atrás. Contra Rafael Nadal eram 12 reveses. Nenhuma vitória, nenhum set vencido. Seis tie-breaks perdidos. "Tenta. Fracassa. Não importa. Tenta outra vez". E Wawrinka tentou. E tentou. E tentou. E, enfim, conseguiu. E não foi em uma primeira rodada de ATP 500 nem em uma quase relevante final de aquecimento. Foi em Melbourne, na Rod Laver Arena, para conquistar um título de Grand Slam.

Não foi de um dia para o outro, claro. Talvez o Australian Open de 2013 tenha acordado o mundo para o potencial de Wawrinka. Sim, o suíço já havia sido top 10 lá em 2008, mas ninguém via, até então potencial para vencer um Slam. E talvez aquele torneio do ano passado tenha despertado o próprio Wawrinka, ainda que grandes resultados não tenham aparecido imediatamente depois. Mas o jogo estava lá esse tempo inteiro. O saque, o forehand angulado, os voleios… Tudo funcionava. Talvez não com a consistência necessária, mas estava tudo ali.

"Tenta. Fracassa. Não importa. Tenta outra vez."

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E o backhand? Nunca esteve melhor, mais pesado, mais contundente. Obsceno, eu diria, só para discordar logo depois. Nu artístico descreveria melhor o que Wawrinka faz com o golpe. Nem Djokovic, nem Berdych, nem Nadal. Nenhum dos três encontrou uma solução para a esquerda de Stan.

A coroação, ironia do destino, veio com a manifestação de mais um dementador. Depois fazer de um primeiro set brilhante e de atropelar um Nadal abalado fisicamente na segunda parcial, Stan desandou a errar. Talvez pelos nervos do título que se aproximava, talvez pela incerteza sobre a lesão do oponente, Wawrinka perdeu o terceiro set por méritos próprios. E depois de quebrar o rival no quarto set, falhou espetacularmente. Errou três bolas fáceis e cedeu a quebra.

"Tenta. Fracassa. Não importa. Tenta outra vez."

Nadal não tinha como jogar de igual para igual. O jogo estava na raquete do suíço, que fez o patronus, colocou a cabeça no lugar e quebrou o espanhol outra vez. O placar mostrava 5/3. Mais quatro pontos, e Stanislas Wawrinka tornou-se, aos 28 anos, campeão do Australian Open.

"Fracassa de novo. Fracassa melhor."

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Sem ir na toalha (para ler em até 20 segundos):

– No meio do segundo set, a ITF mandou um e-mail com a seguinte estatística: desde Sergi Bruguera em Roland Garros/1993, um tenista não vencia um Grand Slam após derrotar os números 1 e 2 do mundo. Bruguera bateu Sampras e Courier naquele ano. Na Era Aberta, é a nona vez que isso acontece.

– Com os resultados do Australian Open, Nadal passa a ter 14.330 pontos, contra 10.620 de Novak Djokovic. Stanislas Wawrinka, que subiu para o terceiro post, soma 5.710. Roger Federer, com 4.355, é agora o número 8. É seu pior ranking em mais de 11 anos. Andy Murray cai para o sexto posto.

– Com a vitória sobre Nadal, Wawrinka agora soma cinco triunfos nos últimos sete confrontos contra tenistas do top 10.

– A frase citada no primeiro parágrafo é a tradução oficial do trecho retirado da prosa "Worstward Ho", do irlandês Samuel Beckett, publicada em 1983, seis anos antes da morte do escritor. A versão tatuada no braço de Wawrinka é a original, em inglês, que diz: "Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail Better."

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Coisas que eu acho que acho:

– A comemoração de Wawrinka não foi nada escandalosa, o que seria compreensível em um primeiro título de Slam. Foi, sim, de muito respeito pela condição de Rafael Nadal, fisicamente incapaz de produzir seu melhor tênis na hora mais importante. Sem deixar de festejar, Wawrinka reconheceu o momento e foi, também, um cavalheiro. Campeão com "C" maiúsculo.

– Sobre a lesão de Nadal, dois pontos. O espanhol disse que sentia dores já no início da partida e que elas pioraram muito no início do segundo set – foi quando fez-se necessário o tempo médico. Registre-se, porém, que antes disso Wawrinka era muito superior em quadra. Que ninguém tire seus méritos por isso.

– Vaiado quando voltou do vestiário, onde recebeu atendimento, Nadal foi muito aplaudido pelo público australiano na cerimônia de premiação. A torcida viu, afinal, o esforço que o número 1 do mundo fez para continuar em quadra, mesmo sem chance alguma de sair vitorioso.

– Ao mesmo tempo em que o mundo festeja a conquista de Wawrinka, não há como não lamentar um pouco por Nadal. Chegar a uma final de Grand Slam e não conseguir jogar por causa de uma lesão deve ser uma das piores sensações da carreira de um tenista. As lágrimas são de partir o coração.

– "Nu artístico" é uma expressão registrada que emprestei do amigo e (ex?) blogueiro Marden Diller. Não pode ser usada sem prévia autorização escrita.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.