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Saque e Voleio

O Vidente

Alexandre Cossenza

31/12/2013 06h01

Clairvoyant_blog

O suor percorre a testa até umedecer minhas sobrancelhas. Será que sou eu ou são mesmo sombras dançando nas paredes? É um sonho ou é o presente? É uma visão ou é o mundo real que enxergo diante de meus olhos?

O calor turva o horizonte. Não há seres de minha espécie ao redor. Vejo insetos alados, répteis, marsupiais e cães selvagens… Um desfile de animais em um terreno inóspito. Lembranças da caminhada até aqui me fogem. O único indício de vida humana parece estar a léguas de distância. A silhueta no alto da grande pedra parece empunhar próximo à boca o grande tubo de eucalipto. O som, se existe, não chega a mim. Estou longe, empapado, atordoado.

Vejo imagens da Nova Holanda, ainda perturbado pela temperatura, ainda duvidando de minha consciência. Enxergo a primeira grande luta, a leste de mim, a oeste da Nova Terra no Mar. O Arqueiro Helvético, descendente de Guilherme, vai à batalha em posse de uma nova arma, mais letal. Combalido pelos combates de mais de uma década, ele tomba diante do Guerreiro dos Bálcãs. Sim, enxergo o herdeiro de Constantino triunfante. Sim, visualizo agora uma grande sequência de eventos.

Pergunto por que, imagino o que aconteceu. Parece que este poder está crescendo a cada dia. Sinto uma força, um ardor. Tenho medo de não conseguir controlar.

Vejo, então, guerreiros lançando um desafio na Terra do Solo Vermelho. Vejo o Homem Pássaro, vejo Estanislau, o pontepretano, vejo João, aquele da Terra de Prata. Todos sucumbem ao poder do Gladiador, o conterrâneo do general Maximus Decimus Meridius. Monarca soberano e conhecedor máximo de seu campo de batalha, ele defende seu império com sucesso mais uma vez.

Damas, donzelas, senhoras e madonas guerreiam igualmente. A Rainha de Pele Escura é a mais forte entre elas. Uma a uma, as inimigas vão ao chão. A Diminuta Polaca, a Dama Danesa da Protuberância Frontal, e a Madame da Fenda Palpebral Estreita pelejam com bravura, mas pouco duram. Fim parecido tem Dona Doceira, que percorreu a longa trilha desde a Terra Onde Bovídeos Peregrinam em Solos Sólidos. Nem Victoria, a Temperamental, obtém sucesso em sua campanha.

Existe uma hora de viver. Existe uma hora de morrer – quando chega o momento de conhecer o Criador. Existe uma hora de viver, mas não é estranho que comecemos a morrer na hora do nascimento?

Só de olhar nos seus olhos, ele podia ver o futuro penetrando na sua mente. Ele via a verdade e via suas mentiras. E mesmo com todo seu poder, não conseguiu prever seu próprio fim.

E assim enxergo a queda definitiva do Arqueiro Helvético. Nem na floresta que viu tantos de seus feitos ele consegue se sobrepor. Nem o mercenário nórdico, cujos serviços foram alugados para o período do combate, é capaz de traçar uma tática infalível. João Não-Tão-Pequeno, aquele que um dia cravou 113 flechadas, é quem deixa o Arqueiro abatido pela última vez na relva. O Gladiador, ferido em duelos sucessivos, opta por recuar. O Cavaleiro Bretão, então, defende a Coroa Mais Antiga com bravura, abatendo inimigos como se incumbido da jornada de carregar consigo pela Grande Ilha o coração do antecessor Robert the Bruce.

Há confronto no Novo Continente, controlado pelo Gladiador da Ilha Ibérica. Seu arsenal, contudo, não freia o avanço do Bretão. O último dos conflito é com o Guerreiro dos Bálcãs, que acaba subjugado e forçado a assumir o posto de bobo da corte. Ele o faz com destreza. O Cavaleiro finca sua bandeira na terra além-mar e volta à Grande Ilha, onde também triunfa na última batalha desta Era. Seu reino, agora, é no topo do monte mais alto.

Um aroma pouco familiar preenche o ar. Vagarosamente, levanto as pálpebras e vejo um homem de traje bege agachado a meu lado. Estou estirado no solo laranja, sujo e suado. O rapaz me oferece água de um cantil. Bebo, levanto a cabeça e olho para o horizonte. Tons de azul, laranja e rosa colorem o céu. O calor já não é tanto. Sou conduzido a um veículo e, enquanto ouço os primeiros sons do motor, viro-me para a grande pedra. Enxergo, ao longe, a mesma silhueta. É um sonho ou é o presente? É uma visão ou é o mundo real diante de meus olhos?

Outback_blog

Sem ir na toalha (para ler em até 25 segundos):

– Se você leu até aqui, saiba que este post, como todos deste tipo que faço anualmente, é uma grande brincadeira. Explico: desde o começo do Saque e Voleio, recebo e-mails e comentários me perguntando os favoritos para os quatro Grand Slams da temporada que ainda vai começar. Sempre achei um grande absurdo apontar um favorito para algo que está a meses de acontecer, então comecei a fazer posts assim, fazendo um misto de suposições absurdas (como dizer, por exemplo, que Federer vencerá o US Open porque vai dar um golpe no contrapé de Djokovic e fazer o sérvio torcer o tornozelo durante o 65º ponto da final, que será disputada numa terça-feira) com "previsões" baseadas em algo que acontece todo ano (como, digamos, a interferência do pai na carreira de Wozniacki ou um título de Marcos Daniel em um torneio qualquer na Colômbia – e acho que o gaúcho, ainda que aposentado, pode voltar lá e ser campeão de qualquer coisa).

– O post deste ano foi inspirado na canção The Clairvoyant, dos britânicos do Iron Maiden. Alguns versos foram traduzidos literalmente. Em outros trechos, tomei a liberdade de adaptar a letra original de acordo com a direção que a história contada no texto ia tomando. Up the Irons!

– Recebo muito este tipo de pergunta, especialmente dos que nunca leram meus posts de "previsões", então vamos logo esclarecer. Não, não foram ingeridas substâncias ilícitas ou alucinógenas durante a confecção deste texto. Não fumei, não comi e só bebi Coca-Cola da primeira a esta linha.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.