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Saque e Voleio

Por dentro da pré-temporada em BH – Dia 2

Alexandre Cossenza

17/12/2013 07h00

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O telefone toca, e a voz do outro lado pede que eu espere: "Mudança de planos". Volta a chover em Belo Horizonte, e o treino de Bruno Soares, marcado para a LOB, no bairro de Estoril, é cancelado. O plano B é um bate-bola com o veterano Pedro Braga, ex-top 300. O local é mais do que uma quadra indoor. É uma quadra subterrânea, construída alguns lances de escada abaixo do condomínio onde mora a mãe de Bruno. É dona Maisa, aliás, que me recebe.

Enquanto o filho não chega ao bunker, batemos papo. Não é difícil notar de onde vem a simpatia do tenista. Dona Maisa fala sobre a felicidade que sentiu na viagem a Paris e Londres, onde acompanhou Bruno de perto e assistiu a todas partidas de duplas – de todo mundo – que conseguiu. O número 3 do mundo chega às 10h30min, e o bate-bola começa dez minutos depois, com o tradicional aquecimento do fundo de quadra.

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A primeira pausa é com 15 minutos de treino. Bruno toma alguns goles de Accelerade e me pergunta se eu filmei a última série de forehands. Ele pede para ver e analisa. Há três meses, o tenista de 31 anos vem fazendo ajustes no seu golpe de direita. A intenção é bater com o cotovelo mais afastado do corpo. E ele fica satisfeito com o que vê nas imagens. Também quer ajustar o movimento do punho no golpe, mas é algo imperceptível no vídeo, ele diz.

Não é a primeira vez que Bruno faz mudanças sutis em seu tênis. Um tempo atrás, um ajuste no saque "deu muito resultado". No fim de 2011, tomou uma decisão um pouco mais tática: era preciso sacar e volear sempre, no primeiro e no segundo serviços. Foi outra atitude que lhe trouxe benefícios.

O treino continua com Bruno pedindo para treinar forehands cruzados. Quer angular, acertar todas no corredor. Depois, são backhands cruzados. As bolas andam bem, e o top 5 segue elogiando a corda nova. Às 11h20min, Bruno passa a volear. Às 11h35min, o treino pega fogo. Os dois estão batendo muito forte na bola, e Bruno é uma parede na rede. Quando Pedro encaixa uma série de backhands violentos, o duplista devolve tudo.

O treino vai até o meio-dia, e ainda resta tempo para Bruno treinar saque-e-voleio. "Vou dar uns segundos saques no corpo, aí você devolve". Antes do fim, avisa que vai dar um primeiro saque. O serviço limpa a linha, e Pedro nem reage. Antes de sair da quadra, entretanto, o número 3 do mundo faz o que todo mundo deveria fazer depois de um jogo. Pega o vassourão e percorre a quadra, deixando o saibro preparado para os próximos usuários. Simples, não?

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O fim de treino é seguido por uma entrevista. Como já não chove mais, gravamos na área externa do condomínio, e as imagens ficam bem melhores do que as da noite anterior, com Marcelo. O conteúdo é o mesmo: pré-temporada e o circuito de duplas. Nos despedimos ali porque Bruno não treinaria mais. A tarde seria dedicada aos estudos. Afinal, há uma prova de "recuperação" a fazer.

Bruno e Chris, aliás, estavam certos: o restaurante que Marcelo indicou não existe mais. Volto para o hotel e, por sorte, uma das melhores casas de comida mineira da cidade fica pertinho. Dá tempo de comer e encontrar Marcelo antes das 15h, quando começa seu treino da tarde.

Marcelo_Dia2_foto1_blog

Desta vez, é possível jogar na quadra ao outdoor, que fica exatamente acima da indoor, local do treino do dia anterior. O lugar é agradável, com uma invejável vista. Como evidência da manhã chuvosa, restam ainda algumas pequenas poças. Marcelo não encontra um rodo, mas traz uma vassoura e tira a água da área de jogo. A temperatura é amena, e, logo que acaba o aquecimento, Daniel Melo, seu irmão e técnico, pede bolas ofensivas.

O condomínio é silencioso e só se ouve o gemido de Marcelo batendo na bola. A voz de Daniel também é fácil de entender. "Sem ser flat', "sem ficar muito perto da bola", são algumas das instruções do técnico. Ele não grita, e seus comandos soam mais como lembretes e sugestões do que como ordem. Mas que ninguém se engane: de sua maneira, o homem é exigente, e o irmão mais novo segue as orientações sem questionar.

No primeiro intervalo, Marcelo me pergunta sobre a última declaração polêmica de McEnroe. Minha resposta dá início ao velho debate sobre o quanto os melhores simplistas venceriam se jogassem o circuito de duplas durante todo o calendário. Marcelo não está nada convencido de que uma dupla formada por Roger Federer e Rafael Nadal venceria tudo.

Ele volta para a rede e, depois de uma sequência boa, sorri, satisfeito, e pede para eu ficar atento com a câmera: "Pode filmar aí. Vou jogar um set com ele hoje, é 6/2 pra mim!" Não dá nem para dizer que Marcelo "está" de bom humor. Ele, simplesmente, é assim. É seu jeito. Não tem nada forçado ou de diferente porque há um jornalista ali, dentro da quadra. O que se destaca para quem vê seus treinos é justamente a capacidade de fazer uma brincadeira após um drill e, logo depois, entrar 100% concentrado na série seguinte.

Os dois, então, jogam pontos com Marcelo começando atrás do T e avançando. O treino muda para voleios perto da rede seguidos de smashes. São séries puxadas. O número 6 do mundo, então, volta para o fundo de quadra e tenta acertar só bolas fundas. A precisão, desta vez, não é tanta. As bolas entram, mas nem sempre vão perto da linha de base. Às 16h, volta a chover, mas Marcelo fica em quadra treinando saques. Daniel, do outro lado da quadra, pede ângulo e precisão, mesmo sob pingos: "Tira mais. Na orelha dela!". "Minha tripa agradece", brinca Marcelo, ciente de que a corda não resistirá à água. Os pingos engrossam, forçando o fim do treino às 16h15min.

Às 17h, já estamos na academia do Chris outra vez. Marcelo chega brincalhão. Como teve sua vaga "roubada", decide furtar a antena do carro do fisioterapeuta estacionado em frente ao portão. Depois, atira do térreo ao andar inferior uma pilha de revistas. O impacto faz um barulho e assusta o preparador. Mas as brincadeiras duram pouco. Logo depois de ligar o sistema de som – selecionando "Empire State of Mind" – , o número 6 do mundo já está dando "tiros" na esteira. São 15 piques de um minuto, correndo a 17 km/h, com intervalos de três minutos. Às vezes, ele intercala com exercícios funcionais.

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Chris pede para conferir o peso – 94,5kg – e, quando acabam os tiros, restam apenas alguns exercícios abdominais. "Essa música é muito boa!", diz Marcelo ao ouvir os primeiros acordes de "Get Lucky". Neste momento, ele é o único na academia. Chris explica o planejamento: "Quando a gente terminar o trabalho, você ainda ganha um pouquinho por duas semanas". A ideia é fazer Marcelo chegar no melhor da forma durante o Australian Open, não antes. E o tenista já pensa lá na frente. Terá uma pausa após o primeiro Grand Slam do ano e, por isso, poderá continuar o trabalho de ganho de massa muscular.

Ao fim do treino, Marcelo e Chris conversam sobre a campanha Papai Noel dos Correios. O tenista sempre colabora, embora nunca faça disso uma maneira de divulgar sua imagem. É aí que ele lembra que esqueceu de enviar uma camisa autografada que havia prometido para a festa de Natal do Projeto Tênis na Lagoa, do professor Alexandre Borges. Ao sair da academia, ele passa em casa, pega uma camisa novinha, autografa e me dá. Bruno, aliás, também deixaria duas camisas comigo na manhã seguinte.

Coisas que eu acho que acho:

– Bruno Soares e Marcelo Melo me receberam de braços abertos em Belo Horizonte. Os dois foram atenciosos, indicaram hotel e restaurantes e facilitaram meu acesso aos treinos (em quadra e na academia) o máximo possível. Se querem minha opinião, a postura dos mineiros mostra que caráter, seriedade e profissionalismo têm muito a ver com as posições que ambos ocupam no ranking hoje. Nenhum dos dois acha que imprensa atrapalha ou tira privacidade. Basta que haja respeito dos dois lados. Meu trabalho é (também) mostrar quem são os tenistas. Quando não há nada para esconder, a vida de todo mundo é muito mais fácil.

– Talvez, no meio de tanta informação, poucos tenham dado a justa ênfase, mas é bom não esquecer que, com chuva ou sol, os mineiros não dão desculpa para não treinar. Mesmo com mudanças de última hora, procuram e encontram soluções. Bruno treinou no saibro porque precisava estar em quadra e bater bola. Fosse um tenista menos dedicado, aceitaria a falta de uma quadra dura e treinaria só no dia seguinte. E o que dizer de Marcelo, que treinou saques debaixo d'água?

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.