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Saque e Voleio

Por dentro da pré-temporada no Rio

Alexandre Cossenza

06/12/2013 06h00

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São 9h35min de uma quarta-feira de tempo bom no Rio de Janeiro. Quatro rapazes chegam sem chamar muita atenção e cumprimentam o jornalista sentado à beira da quadra. As raqueteiras e um garrafão de água vão logo para o chão. É o terceiro dia de uma pré-temporada intensa. E ainda que "intensa" e "pré-temporada" sejam expressões quase redundantes, fui ao Marina Barra Clube para acompanhar de perto o ritmo de treinos.

Um dos quatro era Rogerinho, número 2 do Brasil, que viveu um ano difícil. Seu momento alto veio no US Open, onde avançou uma rodada e ganhou, de prêmio, um confronto com Rafael Nadal. No geral, entretanto, o paulista de 29 anos teve um punhado de lesões que atrapalharam a temporada. O último problema foi uma inflamação em um dente siso, que exigiu uma extração às pressas e lhe deixou de molho por cinco dias.

Quem se sente mais em casa no grupo era Fabiano de Paula. O carioca de 25 anos vem se recuperando de uma lesão no punho direito. As dores o afastaram dos torneios em um momento importante: a temporada de Challengers na América do Sul. Fabiano deixou de lutar por pontos e caiu no ranking. Em maio, era o 212. Hoje, é apenas o 450 na lista da ATP.

O sotaque gaúcho de Marcelo Demoliner e Guilherme Clezar é fácil de reconhecer. O segundo está de mudança para a Cidade Maravilhosa. Ele vem junto com João Zwetsch, que também estabelecerá residência na cidade. Clezar ainda não sabe onde vai morar, e uma de suas necessidades pré-treino nesta quarta-feira é encontrar uma lavanderia que cobre por quilo.

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Pouco antes das 10h, é a vez de Thomaz Bellucci aparecer, acompanhado por seu técnico, Pato Clavet, e por seu preparador físico, André Cunha. Zwetsch, que vinha do Recreio dos Bandeirantes, chega dez minutos atrasado. A essa altura, o trânsito do Rio de Janeiro já é um dos assuntos. Bellucci concorda quando digo que deslocar-se no Rio é bem mais complicado do que em São Paulo.

O número 1 do país é o primeiro a entrar em quadra para aquecer. Fabiano conversa com o fisioterapeuta da CBT, Paulo Roberto Santos, que coloca uma fita preta no punho do carioca. "Apenas para limitar a movimentação", explicou o tenista após o treino. Ele não sentiu dores durante o dia e sorriu quando falou da sensação de estar em quadra novamente.

As bolas são "Wilson Australian Open", iguais às que serão usadas em Melbourne. Difíceis de adquirir no Brasil, as amarelinhas são uma cortesia da Koch Tavares, que administra a carreira de Clezar.

O treino começa com Bellucci sozinho em um dos fundos de quadra, só batendo forehands. Fabiano e Rogerinho estão do outro lado da rede. O ritmo é mesmo forte. E não há intervalo entre os pontos, como nos torneios. Errou, recebe logo outra bola e continua. Clavet orienta o treino. "Dois minutos aqui, uma e uma, vale?" Bellucci, então, vai para o lado esquerdo e só bate backhands, mudando de direção. A intensidade é impressionante. Contei algumas vezes, e os drills eram de 50, 60 rebatidas até algum intervalo.

Os três se revezam nas posições. Bellucci é, disparado, quem bate mais forte e com mais precisão. Às 11h, uma pequena pausa. Paulo Santos chega com um coco, e todos comem uma lasca. Bellucci volta ao fundo de quadra, agora mudando a direção da bola com o forehand. De 54 bolas, sem intervalo, erra duas. O clube é silencioso. Só se ouve o gemido de Bellucci ao bater na bola. A seriedade é quebrada momentaneamente quando Rogerinho começa a gemer ainda mais alto e bater mais chapado na bola. Os dois trocam golpes violentos até que Bellucci erra. Zwetsch, esboçando um sorriso, olha para Rogerinho, depois vira-se para Bellucci
e diz: "o instinto lenhador sempre sobressai".

O número 1 deixa a quadra e busca algo na raqueteira. Uma fã pede foto, ele atende. Antes do treino, já havia posado outras vezes e dado autógrafos.

Agora são 11h15min, o sol é mais forte e o treino fica mais intenso. Clavet orienta de novo: "uma cruzada, uma paralela, uma cruzada, uma paralela. Dois e dois. Dois minutos. Vale?" São duas bolas em cada lado da quadra, e Bellucci precisa correr. É o mais exigente dos drills do dia. Em um jogo oficial, um ponto raramente chega a 30 segundos. Aqui, são dois minutos sem intervalo. Todos acabam esgotados. Rogerinho, que começou a pré-temporada ainda se recuperando, sente ainda mais o cansaço. Clavet incentiva: "Mais um minuto". Zwetsch também: "Só mais um pouco". E o paulista aguenta os dois minutos.

O drill agora é outro. Rogerinho e Fabiano tiram o peso da bola, e Bellucci precisa atacar. Pode ser só impressão minha, mas parece ser um exercício mais divertido para o número 1. Ele começa tentando uma curtinha. A bola fica na rede, e ele lamenta: "Ai, Thomaaaaaaz". Bellucci dá outra curta. Rogerinho chega e faz um slice na paralela. A bola é duvidosa, mas o canhoto de Tietê marca fora. Os dois discutem, mas com bom humor. "Não rouba. Vai roubar essa?", diz Rogerinho. Mas Bellucci só ri e conta o ponto a seu favor.

Na mudança de lado, uma fã pede foto com Fabiano. Ele atrasa o treino em alguns segundos, mas para e atende a moça. Depois, corre para o fundo de quadra. Faz calor, e o sol bate na quadra inteira. A sombra onde estou é uma delícia.

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Ao meio-dia, Clezar e Demoliner, que faziam trabalho físico, voltam. Zwetsch dá a ordem: "Cancha dos". Enquanto Bellucci, Rogerinho e Fabiano treinam voleios, os gaúchos se aquecem trocando bolas na Quadra 2. O treino na Quadra 1 vai até as 12h20min. Nessa hora, Zwetsch acompanhava de perto seu pupilo, o "Gui". Com o gaúcho de 20 anos, o capitão da Davis é mais específico. Ele corrige movimentos e instrui durante um treino de ataque – Demoliner, batendo só backhands por causa de um incômodo no punho direito, joga bolas sem peso para o conterrâneo atacar.

O bate-bola vai até as 13h. Fabiano, Rogerinho e Bellucci já almoçam. Todos comem no restaurante do clube. Ninguém quer perder tempo no trânsito carioca.

Às 16h, o treino recomeça. Não tenho um termômetro à mão, mas a sensação de calor é ainda maior do que ao meio-dia. Enquanto Paulo Santos avalia o punho de Demoliner, Fabiano e Clezar batem bola na Quadra 2. Às 16h30min, os dois já batem bem mais forte. É quando Bellucci chega e entra na Quadra 1. É hora de trabalhar diretamente com seu técnico. Clavet está falante, animado, e André Cunha já tem um líquido amarelado e esquisito pronto para o tenista.

Depois de um breve trabalho físico em quadra, Bellucci começa a bater bola. Primeiro, do fundo de quadra. Em seguida, drills. Voleios, approaches, golpes da linha de base… O calor assusta. Nem a "minha" sombra, agradável mais cedo, alivia muito. O número 1 pede para trocar de lado na quadra. O outro fundo de quadra tem uma quase-sombra formada pela lona da grade. Na Quadra 2, sem Rogerinho, que faria treino físico, e Demoliner, poupando o punho, Fabiano e Clezar seguem jogando, com eventuais pausas para orientações de seus técnicos. Zwetsch está em um fundo de quadra. Duda Matos, técnico da Tennis Route, no outro.

Por volta das 17h20min, Bellucci, já está esgotado. As pausas entre os drills são cada vez maiores. Às vezes, o paulista senta no fundo de quadra com a cabeça baixa. Marquei seis minutos de intervalo na mais longa das pausas. Bellucci volta, faz outro drill, bate 15 bolas e para outra vez. Desde o começo do dia, já são 4h30min em quadra. Mas o trabalho estava programado para acabar só às 18h, e o número 1 não desiste. Fica em quadra até o fim.

Rogerinho é o primeiro a ir para a sala de musculação. Para ele, é quase um trabalho de fisioterapia. Vou junto para fazer imagens. Ele me pergunta se posso fazer as fotos de outro ângulo. De onde eu estava, a marca dos Correios não sairia nas imagens. Pouco depois, o resto da equipe chega. As seis horas de quadra ficaram para trás. Demoliner e Fabiano ainda mostram bom humor. Combino com Zwetsch de voltar no dia seguinte. É o fim de um dia longo, mas só o começo da pré-temporada. O dia seguinte teve mais. E o próximo também.

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Coisas que eu acho que acho:

– Infelizmente, uma mudança na programação me impediu de acompanhar um segundo dia de pré-temporada, como havia sido combinado. Por isso, alguns trechos do post ficam sem explicação. Não tive tempo, por exemplo, de conversar com André Cunha e perguntar o que era o "líquido amarelo e esquisito" nem qual era a ênfase do início de trabalho com Bellucci.

– Também foi combinado que eu não entrevistaria ninguém durante minha visita. A intenção nunca foi tirar a concentração ou atrapalhar os treinos. Ressalto, porém, que todos atletas foram bastante simpáticos. E a recepção calorosa também veio de Duda Matos e de Paulo Santos. A todos, agradeço.

– Ainda que não tenha sido possível fazer um post como eu queria (minha intenção era acompanhar alguns dias), fica registrado aqui como é uma jornada de treinos no início de uma pré-temporada. Como expliquei em papo rápido com João Zwetsch, é importante que os fãs de tênis saibam como e o quanto dão duro os tenistas brasileiros antes de encarar o circuito.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.